A coenzima Q10 (CoQ10) é uma molécula orgânica sintetizada de maneira endógena, semelhante a uma vitamina, e é um cofator essencial na fosforilação oxidativa.
Ela desempenha um papel fundamental no fornecimento de energia para todas as células e, especialmente, participando de reações redox dentro da cadeia de transporte de elétrons a nível mitocondrial. Além disso, a CoQ10 atua como antioxidante lipossolúvel protegendo as membranas celulares e as lipoproteínas do dano oxidativo e é capaz também de regenerar as vitaminas C e E de volta às suas formas ativas totalmente reduzidas.
A CoQ10 pode ser obtida também através da suplementação e alimentação (exemplo: peixes gordurosos, nozes e espinafre), porém estima-se que os alimentos forneçam quantidades insuficientes, podendo não ser o bastante para neutralizar deficiências fisiológicas ou patológicas. Alguns fatores como envelhecimento, medicamentos (por exemplo, estatinas) e fatores genéticos são bem conhecidos por estarem associados a concentrações plasmáticas reduzidas de CoQ10.
Devido aos seus efeitos, diversos estudos têm mostrado a possível correlação inversa entre os níveis sanguíneos de CoQ10 e algumas doenças. No entanto, os dados sobre a suplementação além do campo cardiovascular ainda são limitados e frequentemente conflitantes.
Uma revisão publicada em 2021 teve como objetivo resumir as aplicações clínicas relacionadas ao uso de CoQ10 em diferentes doenças, analisando seu efeito, na saúde dos pacientes e na qualidade de vida.
CoQ10 e enxaqueca
A enxaqueca apresenta prevalência de 11,6% no mundo e é importante notar que a deficiência de CoQ10 está associada à patogênese da enxaqueca, especialmente nas populações pediátrica e adolescente.
Um ensaio clínico duplo-cego randomizado controlado por placebo, realizado em 45 pacientes inscritos em dois grupos: 22 tratados com placebo e 23 tratados com CoQ10 (400 mg/dia), destacou um efeito profilático significativo da suplementação nos episódios de enxaqueca após 3 meses. Curiosamente, ataques menos graves, mais curtos e menos frequentes foram relatados. Além disso, níveis mais elevados de CoQ10 e níveis mais baixos de fator de necrose tumoral α (TNFα) e peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) foram medidos no soro de pacientes do grupo CoQ10, sugerindo um efeito por meio da mitigação de processos inflamatórios.
Tais resultados foram confirmados em uma revisão sistemática e metanálise na qual foram analisados quatro ensaios clínicos randomizados. A suplementação com CoQ10 reduziu significativamente a frequência das crises de enxaqueca, embora nenhum efeito significativo na gravidade e duração tenha sido relatado.
CoQ10 e fibromialgia
A etiologia da fibromialgia é descrita por diferentes processos fisiopatológicos, como alteração bioenergética, disfunção mitocondrial, estresse oxidativo e cascatas inflamatórias.
Um estudo conduzido em 35 mulheres tratadas com CoQ10 em uma dose de 300 mg/dia ou placebo por 3 meses mostrou uma redução significativa na fadiga da fibromialgia (avaliada pelo Questionário de Impacto na Fibromialgia (FIQ) e Escala Visual Análoga (VAS). Resultados semelhantes foram obtidos pelo mesmo grupo de pesquisa em um estudo randomizado controlado com 20 pacientes do sexo feminino tratadas por 40 dias com 300mg/dia de CoQ10 (Cordero et al., 2013).
CoQ10 e doença de Parkinson
Em relação a doença de Parkinson, evidências clínicas destacaram baixos níveis de CoQ10 em mitocôndrias de pacientes parkinsonianos e com base nisso, vários ensaios clínicos foram realizados sobre a suplementação de CoQ10 na doença.
Müller et al., em um ensaio duplo-cego controlado por placebo com 28 pacientes tratados por quatro semanas com 360 mg/dia de CoQ10, observaram um benefício sintomático leve significativo em pacientes tratados com CoQ10 em comparação com pacientes parkinsonianos tratados com placebo.
Shults e colegas, em um ensaio clínico duplo-cego randomizado, controlado por placebo com duração de 16 meses e 80 pacientes, que receberam várias doses de CoQ10 (300, 600 e 1200mg/dia), descobriram que uma suplementação de CoQ10 de 1200 mg uma vez ao dia foi capaz de reduzir a piora no início da doença de Parkinson, com grandes melhorias nas atividades de rotina diária dos pacientes, como alimentação, banho ou vestir-se.
Coenzima Q10 e Câncer
A avaliação de uma possível abordagem com a suplementação de CoQ10 em pacientes oncológicos destacou uma melhora geral nos marcadores inflamatórios, oxidativos e bioquímicos específicos, mas infelizmente esses estudos são altamente heterogêneos, tanto em relação as dosagens quanto ao coquetel de drogas ou suplementos que os pacientes oncológicos receberam juntos. Essa falta de homogeneidade torna um desafio identificar o real impacto da suplementação nos vários tipos de câncer e mais estudos devem ser realizados para esclarecer todo o seu papel.
Além das doenças cardiovasculares, a CoQ10 também está envolvida em doenças degenerativas neuronais e musculares, na enxaqueca e em outras doenças surgindo como um potencial adjuvante aos tratamentos convencionais e na prevenção. Apesar dos dados encorajadores, mais estudos randomizados controlados de alta qualidade e de longo prazo são necessários para especular sobre a possível suplementação com CoQ10 em áreas não cardiovasculares.
Referências:
1- Bentinger, M.; Brismar, K.; Dallner, G. The antioxidant role of coenzyme Q. Mitochondrion 2007, 7, S41–S50, doi:10.1016/j.mito.2007.02.006;
2- Gutierrez-Mariscal, F.M.; Yubero-Serrano, E.M.; Villalba, J.M.; Lopez-Miranda, J. Coenzyme Q10: From bench to clinic in aging diseases, a translational review. Crit. Rev. Food Sci. Nutr. 2019, 59, 2240–2257, doi:10.1080/10408398.2018.1442316;
3- Weber, C.; Bysted, A.; Hłlmer, G. The coenzyme Q10 content of the average Danish diet. Int. J. Vitam. Nutr. Res. 1997, 67, 123– 129;
4- Martelli, A.; Testai, L.; Colletti, A.; Cicero, A.F.G. Coenzyme Q10: Clinical Applications in Cardiovascular Diseases. Antioxidants 2020, 9, 341, doi:10.3390/antiox9040341;
5- Testai, Lara, et al. “Coenzyme Q10: Clinical Applications beyond Cardiovascular Diseases.” Nutrients 13.5 (2021): 1697.