Na última década, a compreensão do ritmo circadiano e seu impacto na saúde aumentou substancialmente.
O sistema circadiano é regulado por um relógio central (localizado no núcleo supraquiasmático) e por relógios periféricos (localizados em outras regiões do cérebro, bem como no fígado, pâncreas, intestino, tecido adiposo branco e músculo esquelético).
O núcleo supraquiasmático atua via sistema nervoso autônomo, sendo responsável pela secreção circadiana de hormônios, bem como pela regulação da temperatura ao longo do dia. As funções neurais e endócrinas, assim como as comportamentais, possuem ritmos de 24 horas e são os principais determinantes do metabolismo humano.
Algumas exposições externas atuam como sincronizadores dos relógios central e periférico, sendo os mais relevantes deles, os ciclos de exposição ao claro e escuro. No entanto, há evidências crescentes de que o horário em que se come também faz parte dessa regulação.
Sugere-se que evitar comer tarde demais pode ser uma estratégia para ajudar a prevenir a obesidade e a síndrome metabólica. Neste sentido, um estudo publicado em 2021 teve como objetivo avaliar a associação prospectiva entre a distribuição da ingestão de energia ao longo do dia e a síndrome metabólica entre idosos, residentes na Espanha, com alto risco de desenvolver a síndrome.
Os dados iniciais foram retirados do estudo ENRICA, que é uma amostra representativa da população espanhola não institucionalizada com 18 anos ou mais, recrutada em 2008–2010. Aqueles com 60 anos ou mais formaram a coorte Idosos-ENRICA-1, que foi estabelecida no início do estudo com 3.518 participantes que foram acompanhados até 2015. A amostra analítica final foi composta por 607 indivíduos (312 (51,4%) participantes mulheres), com idade média de 67 anos e 3 meses.
Modelos de regressão logística foram construídos para avaliar o risco de síndrome metabólica, e a porcentagem de ingestão de energia foi modelada como quartis específicos do sexo, e o quartil inferior foi o grupo de referência.
Os principais momentos de alimentação identificados foram desjejum, almoço e jantar com 17,1%, 41,9% e 27,8% da ingestão energética diária, respectivamente.
Em comparação com os participantes do quartil mais baixo de % de ingestão de energia no café da manhã, aqueles no quartil mais alto eram fumantes a menos tempo e fumavam menos, tinham menos ingestão energética total, passavam menos tempo assistindo TV, tinham um IMC mais baixo e apresentavam menor ingestão de etanol.
Os participantes no quartil mais alto de % de ingestão de energia no almoço eram menos instruídos, com menor ingestão energética total e maior adesão à dieta mediterrânea, e aqueles no quartil mais alto de % de ingestão energética no jantar eram fumantes atuais com maior frequência.
Ao final do período de acompanhamento, 50 homens e 51 mulheres totalizando 101 (16,6%) dos participantes desenvolveram síndrome metabólica. O risco da síndrome metabólica aumentou entre os quartis de % de ingestão de energia no jantar, enquanto não foram encontradas associações em qualquer outra ocasião alimentar.
Com relação aos cinco componentes da síndrome metabólica, descobriram que os participantes no quartil mais alto vs. mais baixo da ingestão de energia no jantar tinham um risco maior de obesidade abdominal bem como uma tendência significativa para hipertrigliceridemia.
Nesta coorte prospectiva de adultos mais velhos, uma maior porcentagem de ingestão energética no jantar foi associada a um risco aumentado de síndrome metabólica. Substituir o consumo calórico consumido no café da manhã ou em qualquer outra refeição com a mesma quantidade de energia no jantar também aumentou o risco da síndrome. A circunferência da cintura e a hipertrigliceridemia foram os componentes da síndrome metabólica que mais contribuíram para essa associação.
Estudos anteriores estão de acordo com esses achados. No entanto, as exposições foram medidas de forma diferente e é difícil estabelecer comparações. A associação entre o horário das refeições e a síndrome metabólica foi estudada anteriormente no Japão e na Coréia.
Em um estudo transversal de japoneses com idades entre 20 e 75 anos, os hábitos de jantar tarde da noite foram associados a um maior risco de síndrome metabólica. Em outro estudo transversal de adultos coreanos com 19 anos ou mais (estudo KNHANES), comer à noite (≥25% do total de energia) foi associado a uma frequência maior de síndrome metabólica entre os homens.
Finalmente, em um estudo prospectivo com adultos japoneses com idades entre 40-54 anos, uma associação positiva entre jantar imediatamente antes de ir para a cama e o risco de síndrome metabólica não atingiu significância estatística, no entanto, as mulheres que tinham o hábito de comer um pouco antes de ir para a cama e lanchar depois do jantar tiveram um risco aumentado para síndrome metabólica.
Os resultados encontrados estão de acordo com o conhecimento atual da cronobiologia nutricional, bem como com achados anteriores em estudos observacionais. No entanto, as diferentes formas de avaliar o tempo de alimentação em relação à síndrome metabólica, que depende principalmente da disponibilidade de dados, tornam os estudos difíceis de comparação.
Essas descobertas sugerem que uma redução na ingestão de energia no jantar pode ser potencialmente útil na prevenção de síndrome metabólica, porém, a eficácia dessa estratégia deve ser comprovada em futuros ensaios clínicos com diferentes populações.
Referências:
1- Albrecht, U. Timing to Perfection: The Biology of Central and Peripheral Circadian Clocks. Neuron 2012, 74, 246–260;
2- Flanagan, A.; Bechtold, D.A.; Pot, G.K.; Johnston, J.D. Chrono-nutrition: From molecular and neuronal mechanisms to human epidemiology and timed feeding patterns. J. Neurochem. 2021, 157, 53–72;
3- Lopez-Minguez, J.; Gómez-Abellán, P.; Garaulet, M. Timing of Breakfast, Lunch, and Dinner. Effects on Obesity and Metabolic Risk. Nutrients 2019, 11, 2624;
4- Kutsuma, A.; Nakajima, K.; Suwa, K. Potential Association between Breakfast Skipping and Concomitant Late-Night-Dinner Eating with Metabolic Syndrome and Proteinuria in the Japanese Population. Scientifica 2014, 2014, 253581;
5- Ha, K.; Song, Y. Associations of meal timing and frequency with obesity and metabolic syndrome among Korean adults. Nutrients 2019, 11, 2437;
6- Yoshida, J.; Eguchi, E.; Nagaoka, K.; Ito, T.; Ogino, K. Association of night eating habits with metabolic syndrome and its components: A longitudinal study. BMC Public Health 2018, 18, 1366;
7- Hermenegildo-López, Y.; Donat-Vargas, C.; Sandoval-Insausti, H.; Moreno-Franco, B.; Rodríguez-Ayala, M.; Rey-García, J.; Banegas, J.R.; Rodríguez-Artalejo, F.; Guallar-Castillón, P. A Higher Intake of Energy at Dinner Is Associated with Incident Metabolic Syndrome: A Prospective Cohort Study in Older Adults. Nutrients 2021, 13, 3035.