Suplementação de coenzima Q10 e estresse oxidativo

A coenzima Q10 é uma quinona lipossolúvel e biologicamente ativa.

Festenstein et al., (1955) e Crane et al., (1957) isolaram e caracterizaram este composto pela primeira vez e estabeleceram sua função como transportadora de elétrons na cadeia de transporte de elétrons mitocondrial.

Além de sua função principal na mitocôndria, a coenzima Q10 tem sido descrita como tendo múltiplas funções, porém a mais importante e relevante de suas ações é a potente capacidade antioxidante de suas formas redox coexistentes (ubiquinona, semi-ubiquinona, ubiquinol), que atuam no plasma, no citoplasma e na membrana mitocondrial, bem como, em outras membranas na célula.

Essas propriedades antioxidantes na mitocôndria aumentam a eficiência do transporte de elétrons, evitando a perda de elétrons descontrolados, ajudando a reciclar outros antioxidantes (como vitamina C ou vitamina E) e atuando diretamente nos radicais livres, reduzindo e neutralizando esses compostos.

Na maioria dos estudos realizados sobre os efeitos ou uso da suplementação com coenzima Q10, o principal benefício vem de sua capacidade de reduzir o estresse oxidativo, que é a função mais importante, mais relevante e mais comumente estudada descrita para esse composto. Por esse motivo, um trabalho de revisão publicado no ano de 2020 teve como objetivo revisar as publicações mais recentes sobre os efeitos da suplementação de coenzima Q10 contra o estresse oxidativo em doenças crônicas.

Dislipidemia:

A dislipidemia, particularmente no contexto de altos níveis de lipoproteína de baixa densidade (LDL) e baixos níveis de lipoproteína de alta densidade (HDL), induz disfunção mitocondrial, que por sua vez, causa estresse oxidativo pela superprodução de espécies reativas de oxigênio (EROs). A evidência indica que níveis aumentados de EROs podem desencadear o desenvolvimento de disfunção endotelial e inflamação.

Embora o efeito da suplementação de coenzima Q10 nos níveis de lipídios no plasma seja quantitativamente pequeno, diferentes metanálises e revisões sistemáticas apoiaram efeitos benéficos em uma variedade de perfis de pacientes diferentes. Em uma recente metanálise conduzida a administração de coenzima Q10 reduziu significativamente as concentrações de triglicerídeos em pacientes com doença metabólica.

Outra metanálise, incluindo seis ensaios clínicos, sugere que a coenzima Q10 pode reduzir levemente os níveis plasmáticos de lipoproteína A em pacientes que estavam com quantidades ≥ 30 mg/dL, embora nenhum outro lipídio plasmático tenha sido afetado. No entanto, uma revisão sistemática recente realizada em pacientes com doença arterial coronariana descobriu que a suplementação de coenzima Q10 diminuiu significativamente o colesterol total e aumentou os níveis de colesterol HDL, mas não afetou os níveis de triglicerídeos, colesterol LDL e lipoproteína A.

Hipertensão:

Os efeitos benéficos da coenzima Q10 na pressão arterial foram testados em uma faixa de 100 mg a 200 mg/dia por meio de diferentes estudos de intervenção controlados em seres humanos. Em um trabalho, a coenzima Q10 produziu uma diminuição na pressão arterial sistólica (entre 11-17 mmHg) e uma redução de 8 mmHg na pressão arterial diastólica, demonstrando assim o seu possível papel como um agente hipotensor quando combinada ou não com outras terapias anti-hipertensivas convencionais.

Zhang et al. relataram que a coenzima Q10 modula o efeito da angiotensina na retenção de sódio e reduz o nível de aldosterona. No entanto, devido a um certo grau de controvérsia a respeito dos efeitos da coenzima Q10 na redução da pressão arterial, estudos clínicos mais bem controlados são necessários para investigar esta potencial propriedade.

Doença renal crônica (DRC):

Existem diferentes estudos que analisam o papel da suplementação de coenzima Q10 nos perfis metabólicos e no estado oxidante/antioxidante em pacientes com doença crônica renal. Em uma metanálise, a suplementação de coenzima Q10 reduziu significativamente os níveis de colesterol total, colesterol LDL, malondialdeído (MDA) e creatinina, mas não teve efeito sobre a glicose em jejum, HOMA-IR e concentrações de proteína C reativa em pacientes diagnosticados com doença renal crônica.

No que diz respeito às propriedades antioxidantes da coenzima Q10, um ensaio randomizado, duplo-cego e controlado por placebo mostrou que sua suplementação (120 mg/dia) em pacientes com doença renal crônica produziu uma redução no número de pacientes em diálise em comparação com o grupo placebo após 28 dias de tratamento.

Mais recentemente, em um estudo de segurança da administração oral de coenzima Q10 em pacientes em hemodiálise, os resultados indicaram um efeito dose-dependente da coenzima na redução do estresse oxidativo, que por sua vez, melhorou a função mitocondrial e diminuiu o estresse oxidativo nesses pacientes.

Em outro ensaio clínico duplo-cego, a suplementação diária com 1200 mg de coenzima Q10 mostrou-se segura e resultou em uma redução nas concentrações plasmáticas de F2-isoprostanos, um marcador de peroxidação lipídica em pacientes submetidos à hemodiálise de manutenção.

Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA):

Diferentes estudos têm apoiado a ideia de que o estresse oxidativo pode ser a causa primária do acúmulo de gordura no fígado na doença hepática gordurosa não alcoólica, em que as espécies reativas de oxigênio podem desempenhar um papel no desenvolvimento da fibrose.

Foi demonstrado que os pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica mostraram disfunção mitocondrial com concentrações diminuídas de defesas antioxidantes, e nesse contexto, dado o importante papel da coenzima Q10 na mitocôndria, é plausível que a mesma contribua para o atraso no desenvolvimento e progressão da DHGNA.

Em um ensaio clínico randomizado, a suplementação de coenzima Q10 (100 mg/dia), por 12 semanas, em 41 pacientes com DHGNA, diminuiu os níveis de enzimas hepáticas, como aspartato aminotransferase (AST) e gama glutamil transferase (GGT), marcadores de inflamação sistêmica (fator de necrose tumoral α (TNF-α) e PCR de alta sensibilidade, e aumentou os níveis de adiponectina. No entanto, mais estudos clínicos seriam necessários para elucidar os mecanismos pelos quais essa quinona exerce suas propriedades benéficas na DHGNA.

A coenzima Q10 foi amplamente estudada desde que foi descrita pela primeira vez, em 1955, e várias funções foram reveladas durante esse tempo, o que contribui para o nosso conhecimento atual desta molécula. No entanto, é necessário chegar a um consenso sobre a dose ideal para seu uso terapêutico em diferentes doenças, uma vez que discrepâncias em seus efeitos são observadas entre diferentes estudos.

 

Referências:
1) Gutierrez-Mariscal, F.M.; Yubero-Serrano, E.M.; Villalba, J.M.; Lopez-Miranda, J. Coenzyme Q10: From bench to clinic in aging diseases, a translational review. Crit. Rev. Food Sci. Nutr. 2018, 59, 2240–2257;
2) Sohal, R.S.; Forster, M.J. Coenzyme Q, oxidative stress and aging. Mitochondrion 2007, 7, S103–S111;
3) Villalba, J.M.; Parrado, C.; Santos-Gonzalez, M.; Alcain, F.J. Therapeutic use of coenzyme Q10 and coenzyme Q10-related compounds and formulations. Expert Opin. Investig. Drugs 2010, 19, 535–554;
4) Gutierrez-Mariscal, Francisco Miguel, et al. “Coenzyme Q10 supplementation for the reduction of oxidative stress: Clinical implications in the treatment of chronic diseases.” International journal of molecular sciences 21.21 (2020): 7870.

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