As evidências dos benefícios a curto e longo prazo da amamentação na sobrevivência, saúde e desenvolvimento infantil, bem como na saúde materna, estão bem documentadas.
Nas últimas duas décadas, a prevalência do aleitamento materno exclusivo em bebês menores de 6 meses aumentou em todo o mundo, de 24,9% em 1993 para 35,7% em 2013.
Em um esforço para melhorar ainda mais a prevalência do aleitamento materno exclusivo, a Assembleia Mundial da Saúde (WHA) de 2012 endossou a amamentação como uma das principais metas de nutrição global para promover um futuro saudável, equitativo e sustentável para indivíduos e nações. Essa meta prevê especificamente o aumento da prevalência do aleitamento materno exclusivo entre bebês de até seis meses de idade para pelo menos 50% até 2025.
A meta da Assembleia Mundial da Saúde só será atingida se os principais fatores de risco modificáveis, que afetam a amamentação exclusiva, forem identificados.
O uso da chupeta pode ser um fator de risco modificável comum para a interrupção do aleitamento materno exclusivo. No entanto, revisões sistemáticas e metanálises que investigam a relação entre o uso de chupeta e a menor duração do aleitamento exclusivo têm mostrado resultados divergentes.
Infelizmente, os únicos ensaios clínicos randomizados disponíveis para descobrir se há uma relação causal entre o uso de chupeta e a duração do aleitamento materno exclusivo têm grandes deficiências metodológicas que limitam tanto a validade interna quanto a generalização dos achados.
Estudos transversais avaliando a mesma população em diferentes momentos demonstraram consistentemente uma associação negativa entre o uso de chupeta e a duração do aleitamento, e 20 estudos longitudinais apontam para uma relação dose-resposta.
As recomendações para o uso de chupeta variam em todo o mundo. A American Academy of Pediatrics, por exemplo, recomenda o uso de chupeta para prevenir a Síndrome da Morte Súbita Infantil e que a chupeta pode ser introduzida após o aleitamento materno bem estabelecido, por volta de 3 a 4 semanas de idade.
Em contraste, a OMS costumava desencorajar o uso de chupetas em crianças amamentadas como um dos “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”, nos quais a Iniciativa Hospital Amigo da Criança se baseou.
Recentemente, as diretrizes revisadas da Iniciativa Hospital Amigo da Criança de 2018 revisaram esta etapa para aconselhar as mães sobre o uso e os riscos da chupeta. Claramente, esta não é uma recomendação direta, pois precisa levar em consideração os benefícios potenciais e riscos.
Nesse contexto, no final de 2018, pesquisadores conduziram uma investigação para estimar o potencial impacto da redução do uso de chupeta no aleitamento materno exclusivo no Brasil.
Este estudo utilizou os dados da Primeira e da Segunda Pesquisa Nacional de Prevalência do Aleitamento Materno, realizadas em 1999 e 2008, respectivamente, em todas as áreas urbanas das capitais brasileiras e no Distrito Federal.
A análise de dados secundários dos dois levantamentos transversais nacionalmente representativos realizados nas capitais dos Estados em 1999 e em 2008 abrangeu um total de 42.395 crianças brasileiras menores de 6 meses de idade para este estudo.
De acordo com os dados analisados, de 1999 a 2008 houve um aumento de 15,2 pontos percentuais na prevalência do aleitamento materno exclusivo e redução de aproximadamente 17 pontos percentuais na prevalência de uso de chupeta em menores de 6 meses.
Se o uso de chupeta diminuísse de 41,6% (prevalência em 2008) para 14% (como foi encontrado na Nova Zelândia), haveria um aumento adicional esperado no aleitamento materno exclusivo de aproximadamente 12 pontos percentuais, seguindo estimativas.
O estudo não incluiu populações que vivem em áreas rurais, limitando a generalização dos resultados para essas áreas. No entanto, os resultados podem ser relevantes para países com uma proporção igualmente alta de populações urbanas como o Brasil, incluindo o resto da América Latina, e muitos países europeus e asiáticos. Os achados também são relevantes para países com proporção semelhante ou superior de uso de chupeta, como o encontrado em países incluindo Itália, Dinamarca, Suíça e China.
Outra limitação é o fato de que os dados sobre a idade de introdução e a intensidade do uso da chupeta, bem como os fatores psicossociais que podem influenciar o processo de amamentação, incluindo o comportamento do bebê (por exemplo, temperamento e intenções de amamentar da mãe) não foram coletados.
Devido a sua natureza transversal, não é possível estabelecer a sequência temporal de eventos entre o uso de chupeta e os desfechos da amamentação, portanto, a causalidade reversa não pode ser descartada.
Apesar dessas limitações, devido ao fato dos achados serem baseados em duas pesquisas nacionais representativas de amostras urbanas em um grande país como o Brasil e pelo fato de tanto as análises de regressão quanto a fração de impacto potencial atribuível apontarem para as mesmas conclusões, é possível considerar os achados desse trabalho relevantes para a literatura científica sobre o tema.
Referências:
1- Victora CG, Bahl R, Barros AJ, Franca GV, Horton S, Krasevec J, et al. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016; 387(10017):475–90;
2- Buccini G, Perez-Escamilla R, Paulino L, Araujo C, Venancio S. Pacifier use and interruption of exclusive breastfeeding: Systematic review and meta-analysis. Matern Child Nutr. 2017; 13(3);
3- Eidelman AI, Schanler RJ, Johnston M, Landers S, Noble L, Szucs K, et al. Breastfeeding and the use of human milk. Pediatrics. 2012; 129(3):e827–41;
4- Perez-Escamilla R, Martinez JL, Segura-Perez S. Impact of the Baby-friendly Hospital Initiative on breastfeeding and child health outcomes: a systematic review. Matern Child Nutr. 2016; 12(3):402–17;
5- Venancio S. A reflection on the contributions to the Project Breastfeeding and Municipalities (AMAMUNIC) for the management and health practices in the Brazilian Public Health System (SUS). BIS Boletim do Instituto de Saúde (Impresso). 2012; 13:239–44;
6- Buccini, Gabriela, et al. “Exclusive breastfeeding changes in Brazil attributable to pacifier use.” Plos one 13.12 (2018): e0208261.