Alterações fisiológicas no envelhecimento

Alterações fisiológicas na terceira idade

O processo de envelhecimento engloba múltiplos parâmetros ligados a aspectos biológicos, sociais, psíquicos, econômicos, ambientais e culturais particulares de cada pessoa. É um processo dinâmico e progressivo, resultante de alterações fisiológicas, dentre elas: modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas. Como consequência, o indivíduo pode apresentar perda da capacidade de adaptação ao meio, gerando vulnerabilidade e maior ocorrência de processos patológicos que pioram a qualidade de vida e podem levar à óbito.

A partir dos 65 anos o indivíduo é considerado idoso, contudo, o envelhecimento funcional e biológico antecede a data cronológica na maioria dos casos. Ao longo da vida, a competência funcional declina gradativamente em decorrência do aumento da desordem molecular nas células dos órgãos vitais. A velocidade e grau destes acontecimentos são variáveis em cada sistema do organismo e estão relacionados a fatores genéticos e ambientais.

Os fatores genéticos são múltiplos e complexos. Englobam, por exemplo, o genoma e o epigenoma, polimorfismos em genes, codificação e transcrição, metilação do DNA e muitos outros mecanismos. Já os fatores ambientais, incluem estilo de vida, alimentação e atividade física. Juntos, conferem alterações orgânicas próprias dessa fase que vulnerabilizam o indivíduo a doenças crônicas e mortes evitáveis. É perceptível, também, as variações da ingestão alimentar, da digestão, absorção e biodisponibilidade de nutrientes, diminuição do apetite, da massa muscular e do gasto energético, impactando o peso e estado nutricional.

Alterações no trato intestinal

As alterações fisiológicas na terceira idade atingem as diversas estruturas que compõem o trato gastrointestinal e se constituem em mudanças estruturais, funcionais e de motilidade. Essas variações podem levar a um comprometimento nutricional uma vez que sensibilizam a ingestão alimentar, o processo digestivo e a biodisponibilidade de nutrientes.

Na cavidade oral, a ausência parcial ou total de dentes e o uso de prótese errada são aspectos comuns entre idosos, embora não represente uma variante fisiológica, e sim resultado da saúde bucal. Essa situação influencia a primeira etapa da digestão, ou seja, a mastigação. Quando não acompanhada pelo nutricionista, levam a modificações dietéticas errôneas, como a opção por texturas mais macias, substituições de alimentos e limitação da ingestão alimentar.

Outra mudança com o avançar da idade é a xerostomia, constituída pela boca seca. Sua causa é decorrente da disfunção das glândulas salivares, uso de medicamentos ou doenças. A redução da quantidade de saliva tem como consequências a dificuldade na formação do bolo alimentar, proporcionando incômodo na deglutição, além disso, altera a percepção dos sabores, acometendo o consumo alimentar.

  • Esôfago

O esôfago, da mesma forma, sofre modificações com o envelhecimento. Ocorre a redução do fluxo e volume de deglutição causado por alterações anatômicas na orofaringe, como o aumento da pressão e amplitude peristáltica faríngea e redução do diâmetro do esfíncter esofágico superior e do osso hioide. A disfunção na sintonia da contração e relaxamento coordenados dos músculos esqueléticos e liso também influenciam na limitação da deglutição, constituída de três etapas. A primeira é voluntária e a segunda involuntária, ambas dependentes da musculatura esquelética, e a terceira depende do reflexo e peristaltismo do músculo liso.

Esse conjunto de mudanças no esôfago dificultam o processo da deglutição representando a disfagia esofágica, condição com prevalência considerável em idosos. A disfagia pode originar desnutrição em função da tentativa de modificação da consistência, tornando a preparação menos calórica por meio da diluição em água.

  • Estômago

Ao mesmo tempo, o estômago sofre alterações histológicas e fisiológicas na medida que a mucosa estomacal se torna mais frágil em decorrência da redução da capacidade de reparação tecidual. A defesa e cicatrização da mucosa diminuem em virtude do declínio da secreção de muco e bicarbonato, prostaglandinas, atividade enzimática do óxido nítrico sintase e do fluxo sanguíneo gástrico e peristaltismo. O tempo e trânsito intestinal não se modificam, contudo, o tempo de esvaziamento gástrico e a frequência da pressão pilórica aumentam.

A redução da produção de óxido nítrico pelo fundo estomacal promove a atenuação da dilatação da parede gástrica quando ocorre a ingestão de alimentos. Acontece, também, a falta de sintonia entre o enchimento do antro e a sensação de plenitude gástrica. Resultando na sensação de saciedade precoce. Além disso, a atrofia gástrica leva a diminuição da secreção de ácido clorídrico e de pepsina, e aumento do pH estomacal. A baixa acidez afeta a biodisponibilidade de alguns nutrientes, como vitamina B12, ferro, cálcio, betacaroteno e ácido fólico, podendo gerar deficiências nutricionais dessas vitaminas e minerais.

  • Pâncreas

No pâncreas o envelhecimento promove atrofia, fibrose e degeneração gordurosa. A fibrose está relacionada a hiperplasia papilar ductal e aumento do risco de carcinoma. Não só a morfologia pancreática é alterada, mas também a sua função, a secreção de bicarbonato e enzimas decai, embora os problemas de má absorção somente são perceptíveis a partir de 80% da perda pancreática.

Alterações morfológicas e funcionais se mostram presentes no fígado, como a diminuição da capacidade regenerativa das células e do volume do órgão, condições agravadas por estresse oxidativo e pelo estado de inflamação crônico. Ocorre a restrição da depuração hepática do HDL (da lipoproteína de alta densidade), que favorece a atenuação do pool de colesterol nos hepatócitos e declinação da secreção de sais biliares. A metabolização de drogas se mostra declinada em consequência da redução da funcionalidade dos hepatócitos e suas enzimas. Tornando pessoas na terceira idade mais suscetíveis a reações adversas de fármacos.

  • Intestino

O intestino apresenta decréscimo na sua área absortiva em decorrência de perdas no número de células absortivas. Acontece também variações nos padrões motores ao longo da vida, em idosos a pressão, a contração intestinal e o tônus muscular se mostram diminuídas. As queixas de constipação são comuns, sendo resultantes dessas alternâncias e de outros fatores como estilo de vida, comorbidades e consumo alimentar. Alterações anorretais podem surgir em função da redução da pressão basal do esfíncter anal, ocasionando restrição na sensação retal e consequentemente na incontinência fecal.

‌ Alterações corporais

Nas alterações corporais, é possível observar variações de peso, redução da estatura e modificação na composição corporal refletida na diminuição da massa muscular, massa óssea e no estado de hidratação, concomitante ao aumento da massa adiposa. A massa muscular sofre perda conforme o decréscimo da concentração de hormônio do crescimento, testosterona e hormônio da tireoide. Enquanto em casos de perda extrema, ocorre a atenuação dos sinais anabólicos e aumento de sinais catabólicos mediados pelas citocinas pró-inflamatórias TNF-α (fator de necrose tumoral alfa) e IL-6 (interleucina-6). Além disso, a limitação da síntese de proteínas aliada a baixa ingestão alimentar e a oxidação de proteínas também promovem a perda de massa e força muscular.

A oxidação de proteínas é um processo que acontece com o envelhecimento e promove o acúmulo de proteínas reticuladas tornando a proteína muscular disfuncional e não contrátil. A perda de massa óssea é resultado do processo de remodelação óssea não equilibrada, em que a reabsorção óssea promovida pelos osteoclastos ocorre mais rapidamente do que a deposição óssea feita pelos osteoblastos. Enquanto o estado de hidratação se mostra diminuído conforme o controle no balanço hídrico fragilizado que influencia na redução do volume dos compartimentos dos fluidos corporais e da água intracelular.

‌ Alterações no sistema sensorial

Os sentidos também sofrem declínios, impactando em mudanças próprias e no consumo alimentar, sobretudo as variações no olfato e paladar. O olfato pode ter sua percepção diminuída por alterações no sistema nervoso, redução na secreção do muco nasal, substituição de parte do epitélio sensorial por mucosa respiratória e por doenças neurodegenerativas como na doença de Alzheimer, no Parkinson e no transtorno cognitivo leve.

No paladar, é possível observar oscilações como a ageusia, hipogeusia e disgeusia, ou seja, perda da gustação, limitação a sensibilidade a estímulos gustativos e sensações gustativas distorcidas. Além disso, os sabores passam a ser percebidos de formas diferentes, idosos tendem a sentir menos o sabor salgado, quanto à percepção do sabor doce não é alterada.

As alterações no paladar e olfato contribuem para o comprometimento nutricional. A complementaridade destes sentidos influencia na ingestão alimentar, apetite e escolhas alimentares. Os estímulos gustativos e olfativos promovem a liberação das secreções salivares, gástricas, pancreáticas e intestinais que são essenciais para a digestão e absorção dos nutrientes. Esse conjunto de variações podem propiciar a perda do apetite, escolhas alimentares erradas e desnutrição.

Alterações hormonais

O trato gastrointestinal envolve além da digestão e absorção de nutrientes, a regulação da fome e saciedade através do controle hormonal promovido pela Colecistocinina (CCK), grelina, peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP-1), leptina, insulina e peptídeo YY (PYY). Idosos apresentam níveis aumentados de CCK após a refeição quando comparados às outras faixas etárias, além disso, a sensibilidade a esse hormônio também aumenta com o decorrer da idade.

A colecistocinina por meio da ação central atua como inibidor do apetite e pela ação periférica age retardando o esvaziamento gástrico e reduzindo a produção de grelina. Como resultado, há sensação de saciedade e redução do consumo alimentar. Já a grelina, principal hormônio orexígeno, está em sua maioria na forma inativa. A anorexia em idosos está associada ao aumento da leptina, que se mostra consideravelmente maior na terceira idade. Tem ação anorexígena e aliado ao aumento dos níveis de citocinas inflamatórias, promovem a elevação da adiposidade e redução não intencional de peso.

Atuação do nutricionista

A gerontologia é a área que estuda o processo de envelhecimento, seus determinantes biológicos, psicológicos e sociais, bem como as pessoas idosas e as características da velhice. Ela tem recebido crescente foco de produção científica diante do progressivo número de pessoas na terceira idade no mundo. A saúde do idoso é uma área com necessidade de atenção multi e interdisciplinar, dessa forma, é composta por profissionais de diversas áreas da saúde. Segundo a Resolução CFN Nº 689, de 04 de maio de 2021, a Nutrição Clínica em Gerontologia é uma das especialidades em nutrição reconhecida pelo Conselho Federal de Nutricionista (CFN) e pelos diversos conselhos regionais de nutricionistas.

A atuação do nutricionista visa promover um estado nutricional adequado conforme as recomendações da idade, corrigir deficiências nutricionais de macro e micronutrientes, diminuir o risco de desnutrição e recuperar o estado nutricional. Observar a interação entre fármacos e nutrientes, uma vez que idosos tendem a fazer uso de múltiplos medicamentos. Aplicar estratégias nutricionais como a adequação da forma de preparo para cada condição em particular, técnicas dietéticas variadas para estimular o apetite, adaptar textura e consistência com adequação da densidade energética e prescrição de suplementos, quando necessário.

Tratamento

Além disso, diante da diminuição da secreção ácida estomacal, o nutricionista deve ficar atento ao estado nutricional de algumas vitaminas e minerais. A vitamina B12 depende do fator intrínseco liberado pelas células parietais da mucosa, mesmas células que secretam o ácido clorídrico.

Sendo assim, a alteração da produção de ácido estomacal, reduz a secreção de fator intrínseco e como consequência, a absorção dessa vitamina fica prejudicada. Esse pH também é importante para a biodisponibilidade de ferro, propiciando a solubilização dos sais e manutenção dele na forma absorvível, ou seja, a forma ferrosa (Fe2+). Da mesma forma, o folato tem sua absorção diminuída com alterações de pH intestinal, sobretudo em casos de gastrite atrófica.

O carbonato de cálcio, por sua vez, depende da relação com o ácido clorídrico para formar o cloreto de cálcio e ser absorvido no intestino delgado. A hipocloridria ou acloridria confere fator de risco para a deficiência destes nutrientes e o monitoramento nos níveis adequados é essencial para promoção da qualidade de vida.

Portanto, os cuidados em saúde do idoso contribuem para o envelhecimento saudável e redução dos agravos de saúde dessa população. Assim, melhorando a qualidade de vida do paciente na terceira idade.

Referências

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