Diabetes mellitus na infância

Diabetes mellitus na infância

Atualmente, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) apresentam elevada prevalência, com crescente projeção para os próximos anos. São responsáveis por mortes precoces e redução na qualidade de vida. Diante disso, são tratadas como desafios de saúde pública. Dentre as DCNT que mais atinge a população, está o diabetes. De acordo com sua etiopatogenia, é classificada como diabetes tipo 1 (DM1), diabetes tipo 2 (DM2), diabetes gestacional (DMG), além de outros tipos.

‌Diabetes tipo 1

O diabetes mellitus é uma condição definida como um distúrbio metabólico identificado pela hiperglicemia persistente. Ocorre em função da falha na produção de insulina, na sua ação ou em ambos sistemas. Dos diferentes tipos, o DM1 é associado a crianças e adolescentes, pois seu desenvolvimento, identificação e diagnóstico ocorrem, em sua maioria, nessas faixas de idade. Quando a hiperglicemia persistente ocorre nos primeiros 6 meses de vida, é denominado de diabetes mellitus neonatal. O DM é uma doença autoimune poligênica resultante da destruição das células beta pancreáticas, aquelas responsáveis pela produção de insulina, sendo assim, o organismo deixa de conseguir produzir esse hormônio, causando a hiperglicemia persistente.

Conforme a fisiopatologia, o diabetes mellitus tipo 1 é subclassificado em tipo 1A e 1B. O tipo 1A é associado a deficiência de insulina em decorrência da destruição das células beta de forma autoimune. Enquanto o tipo 1B, a deficiência de insulina é de natureza idiopática e anticorpos não são detectáveis na corrente sanguínea.

Insulina

A insulina é um hormônio anabólico produzido pelas células beta pancreáticas localizadas nas ilhotas de Langerhans na porção endócrina do pâncreas. Sua função é promover o transporte de glicose para dentro das células, desse modo, sua produção ocorre como resultado da elevação do nível de glicose plasmática. A intensidade dessa produção varia conforme o grau de estímulo percebido pelas células beta. No DM1, a resposta imune inata e adaptativa são ativadas e os anticorpos, sobretudo linfócitos TCD8, TCD4, células B e macrófagos, atacam as células beta pancreáticas, causando sua destruição. Essa ativação possui relação com a predisposição genética e fatores ambientais, como infecções virais, componentes dietéticos e composição da microbiota intestinal que levam a resposta autoimune.

O diabetes tipo 1 é dividido em três estágios, em todos são identificados pelo menos um dos anticorpos. Contudo, no estágio 1 os níveis glicêmicos estão normais e os sintomas ausentes. No estágio 2, é detectável a glicemia compatível com os níveis de pré-diabetes, embora não haja sintomas. Enquanto no estágio 3 há hiperglicemia e sintomatologia.

Sintomas

A desregulação no sistema de produção de insulina e o prejuízo na captação de glicose pelos tecidos, levam ao desenvolvimento de sintomas. A sintomatologia é, usualmente, a primeira maneira de identificar a doença. Portanto, a atenção por parte dos responsáveis da criança ao aparecimento de indícios dessa patologia e a imediata busca por auxílio médico são cruciais para o diagnóstico e início precoce do tratamento. Os sintomas característicos são:

  • Poliúria: eliminação excessiva de urina;
  • Polidipsia: intensa sensação de sede;
  • Polifagia: Apetite em intensidade elevada;
  • Astenia: redução da força física;
  • Perda de peso.

O diagnóstico é feito mediante análise laboratorial para detecção de hiperglicemia. Essa identificação é realizada, preferencialmente, através da medição da glicemia de jejum ou glicemia ao acaso, em dois eventos. Além destes, hemoglobina glicada ou teste oral de tolerância à glicose também podem ser utilizados, contudo não são de primeira escolha. O primeiro refere à glicose de maneira indireta e pode sofrer variações em decorrência de anemia, enquanto o segundo pode oferecer risco para os pacientes com elevação dos índices glicêmicos. O tratamento do DM1 consiste na insulinoterapia, alimentação adequada e atividade física. A recomendação é que se inicie a aplicação da insulina o mais previamente possível para evitar a cetoacidose diabética. A estratégia mais recomendada é aquela que se assemelha à secreção fisiológica deste hormônio, sendo a terapia basal-bolus a mais indicada. Além disso, o monitoramento da glicemia deve ser realizado frequentemente.

DM1 em crianças

O DM1 no público infantil é uma condição delicada visto que essa é uma fase de desenvolvimento na qual o organismo passa por grandes variações. É comum que o diabetes nessa fase seja descoberto através da cetoacidose diabética (CAD) que culmina na busca por emergência médica. Essa é uma complicação decorrente da insulinopenia e aumento de hormônios contrarreguladores como catecolaminas, glucagon, cortisol e hormônio do crescimento. Essas alterações hormonais levam a ativação das vias da gliconeogênese e da glicogenólise para geração de glicose. Provocando o estado de hiperglicemia, uma vez que os tecidos não conseguem fazer a captação de glicose em função da deficiência de insulina. Além disso, ocorre o estímulo da lipólise e liberação de ácidos graxos para corrente sanguínea. Através da oxidação, eles são convertidos em corpos cetônicos no fígado, resultando em acidose metabólica. Além disso, ocorre distúrbios hidroeletrolíticos devido à desidratação, glicosúria, diurese osmótica e perda de fluidos e eletrólitos. Em casos graves, essa condição pode levar a coma e óbito.

Além disso, o DM infantil apresenta outro ponto delicado no que diz respeito à dificuldade da criança de relatar os sintomas adequadamente, principalmente na faixa etária mais nova, tornando esse público exposto a maior variabilidade glicêmica e risco aumentado de hipoglicemia noturna. Na infância, o descontrole glicêmico com variações tanto para hiper, quanto para hipoglicemia é uma ocorrência particularmente mais preocupante porque pode levar à lesão do sistema nervoso central.

‌Epidemiologia do DM1 no público infantil

O diabetes é uma das doenças de maior prevalência no mundo, a maioria dos casos são de DM2, enquanto o DM1 representa menos de 10% dos casos. Contudo, ainda que seja a minoria, os números são alarmantes. Segundo a Federação Internacional de Diabetes, em 2022 havia 8,75 milhões de pessoas vivendo com diabetes tipo 1 no mundo, dentre esses, 1,52 milhões possuíam menos de 20 anos. No Brasil, o total era de 588.800, sendo 112.240 menores de 20 anos.

‌Manejo nutricional

Um dos pilares do tratamento do diabetes é a alimentação saudável e equilibrada, nesse contexto, o nutricionista possui intensa atuação. O consumo alimentar adequado é capaz de gerenciar a doença e prevenir o desenvolvimento de complicações, por meio do controle da glicemia, peso corporal, níveis pressóricos e lipídios plasmáticos. Embora a alimentação do diabético tenha sido tratada com grandes restrições alimentares durante anos, atualmente, a recomendação é de uma alimentação variada e equilibrada em macronutrientes. A abordagem nutricional deve ser pensada com foco no indivíduo e suas particularidades, assim, tornando o processo de mudança de estilo de vida e adesão mais leves e confortáveis para o paciente. Além disso, a insulinoterapia é prescrita com base na alimentação pretendendo evitar quadros de hipoglicemia.

No público pediátrico, o manejo nutricional engloba os responsáveis e a própria criança. Proporcionando assim, autonomia para o paciente desde cedo, porém, com supervisão adequada. O objetivo principal do planejamento alimentar para o público infantil com DM1 é a manutenção do crescimento e desenvolvimento adequados apoiado no controle glicêmico. De maneira geral, as necessidades nutricionais para crianças e adolescentes com DM1 são semelhantes às dos indivíduos sem a patologia e não há evidências na literatura científica que apoie a restrição calórica. Além do planejamento dietético, deve ser realizado também educação alimentar e nutricional. Visando, assim, elucidar a influência dos alimentos na homeostase da glicemia, desenvolver habilidades de autocuidado e independência nas escolhas alimentares.

É comum também a ocorrência de outras doenças autoimunes nos casos de DM1, como a doença celíaca. A suspeita deve ser investigada e se confirmado o diagnóstico, o planejamento alimentar precisa ser adequado. Além disso, a presença de hipertensão, dislipidemias e distúrbios alimentares requer atenção própria.

A fase da infância é marcada por grande parte do tempo na escola, sendo assim, é importante que a instituição de ensino esteja ciente da condição da criança. Além da atenção para uma alimentação saudável nesse espaço e do esquema de aplicação de insulina em acordo com o horário de alimentação escolar. Pode ser necessário que nos dias de educação física, o planejamento alimentar englobe uma porção extra de alimento para evitar a hipoglicemia.

O esquema de insulina mais utilizado é a basal-bolus, aliado a ela, é recomendado a aplicação do método de contagem de carboidrato. Essa estratégia nutricional é recomendada por instituições em saúde do mundo inteiro.

Contagem de carboidratos

O método de contagem de carboidratos consiste em uma estratégia nutricional que permite a individualização e flexibilização da ingestão alimentar e manutenção do controle glicêmico adequado, mesmo com refeições irregulares, variações de apetite e atividade física. Tem por objetivo equilibrar a glicemia, a quantidade de carboidrato ingerida e a dose de aplicação de insulina. Em 2016 a Sociedade Brasileira de Diabetes lançou o Manual de contagem de carboidratos para pessoas com diabetes, sendo um material muito útil para auxiliar a aplicação do método.

Nesse contexto, o nutricionista define a necessidade energética, a divisão do VET em macronutrientes e sua distribuição por refeição. A orientação a ser dada ao paciente e seus familiares, além das próprias do plano alimentar, é a quantidade de carboidrato por refeição. A tabela do manual indica o quantitativo desse macronutriente por porção em diversos alimentos, incluindo aqueles do dia a dia, preparações festivas e culinária típica de alguns lugares do mundo. O paciente, então, possui liberdade para escolher quais alimentos vai consumir.

Contagem de carboidratos

Os alimentos que entram na contagem de carboidrato são aqueles ricos nesse macronutriente, como pães, cereais, massas, leite, batata, alimentos que contém açúcar, entre outros. Enquanto outros como carnes, vegetais, ovos e azeite em quantidades adequadas não fazem parte da contagem. Contudo, é importante destacar que o consumo em excesso deles modifica a contagem, uma vez que nessa condição, eles precisam ser contabilizados para a correta aplicação da insulina.

Diferente do que era preconizado anteriormente, o açúcar pode ser incluído na alimentação do paciente diabético moderadamente, desde que respeite o limite preconizado para uma alimentação adequada. Em um contexto alimentar saudável, esse método permite que o paciente tenha flexibilidade para consumir, por exemplo, um pedaço de bolo de aniversário eventualmente. Sendo importante para não gerar restrições exageradas, uma vez que elas podem levar a não adesão ao tratamento, sentimento de exclusão por parte da criança e impactos na sua saúde mental.

Conclusão

O número de pessoas convivendo com a diabetes é crescente no mundo, sendo uma parcela composta pelo público infantil com DM1. A identificação dos casos e o acompanhamento são essenciais para evitar complicações e risco de vida. Nos cuidados em saúde, a nutrição possui grande influência no controle glicêmico dos pacientes. Sendo a contagem de carboidratos uma estratégia nutricional que gera autonomia, flexibilidade e individualidade. É fundamental haver trabalho em conjunto entre os profissionais da saúde, a família e a criança, proporcionando, assim, adesão e sucesso no tratamento.

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