Publicidade, marketing e obesidade infantil

Midia, marketing e obesidade infantil

A obesidade infantil é uma epidemia global que ameaça a saúde e o bem-estar das crianças em todo o mundo. Ela está intrinsecamente ligada a muitos fatores, incluindo a alimentação inadequada, o sedentarismo e, cada vez mais, a influência da publicidade direcionada às crianças.

Neste texto, exploraremos a complexa relação entre obesidade infantil, publicidade direcionada às crianças e a regulamentação necessária para proteger a saúde das crianças.

Antes de mais nada é de fundamental importância compreender que a publicidade, assim como os meios de comunicação, detém grande poder de influência sobre a sociedade de consumo, e quando falamos sobre a cultura e consumo alimentar, não seria diferente.

Publicidadede

Em muitos casos na presença da desinformação, famílias alimentam seus filhos com biscoitos recheados, fast-foods, refrigerantes e alimentos congelados pelo “status” e a praticidade adicionada a esses produtos por meio da publicidade. Ofertar calorias em excesso aos seus filhos passa a ser considerado um gesto de carinho para os pais menos informados, assim como uma recompensa aos seus filhos em algumas situações.

Em 2012, foi publicada a cartilha: “Recomendações da Consulta de Especialistas da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) sobre a Promoção e a Publicidade de Alimentos e Bebidas Não Alcoólicas para Crianças nas Américas”. O referido documento afirma que a publicidade infantil televisiva é a forma mais utilizada para a divulgação de alimentos com alta concentração de gordura, açúcar e sal e de bebidas com baixa qualidade nutritiva.

O que antes era um objeto apenas dos meios televisivos ganhou ainda mais força e espaço através da internet, que possui um acesso cada vez mais amplo e precoce por parte das crianças.

 

Obesidade infantil: uma epidemia global de décadas

Essa condição é caracterizada pelo excesso de gordura e peso corporal em crianças e adolescentes. Ela se tornou um problema de saúde pública global e é associada a uma série de riscos à saúde, incluindo diabetes tipo 2, hipertensão arterial, problemas cardiovasculares e uma série de distúrbios psicossociais, condições que podem se perpetuar durante toda a vida adulta. As estatísticas são alarmantes:

  • De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016 mais de 340 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos tinham sobrepeso ou obesidade.
  • A prevalência de sobrepeso e obesidade entre crianças e adolescentes de 5 a 19 anos aumentou dramaticamente de apenas 4% em 1975 para pouco mais de 18% em 2016.

 

Continentes de média e baixa renda

O que era antes um problema mais presente em países de alta renda passou a ganhar cada vez mais espaço em continentes de média e baixa renda. Um exemplo disso é a África, onde o número de crianças com menos de 5 anos com excesso de peso aumentou quase 24% desde 2000.

No Brasil, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Saúde, apresentou um aumento importante no número de crianças acima do peso no país, principalmente na faixa etária entre 5 e 9 anos de idade. O número de meninos acima do peso mais que dobrou entre 1989 e 2009, passando de 15% para 34,8%, respectivamente. Já o número de obesos, nesse mesmo grupo etário, teve um aumento indo de 4,1% em 1989 para 16,6% em 2008-2009.

 

Alimentação inadequada como fator de risco

Uma alimentação inadequada é um dos principais fatores de risco para a obesidade infantil.

Crianças que consomem uma dieta rica em alimentos ultraprocessados, ricos em açúcares, gorduras saturadas e sal, estão em maior risco de ganhar peso excessivo.

Esses alimentos são frequentemente promovidos de maneira agressiva por meio da publicidade direcionada às crianças.

 

Publicidade infantil

A publicidade direcionada às crianças é uma indústria em crescimento. As crianças estão expostas a uma infinidade de anúncios de alimentos todos os dias, na televisão, internet, redes sociais e até mesmo em jogos e aplicativos. Os anúncios muitas vezes apresentam alimentos altamente processados, doces, refrigerantes e fast-food de maneira atraente e alegre, o que torna difícil para as crianças resistirem ao consumo.

Muitos influenciadores em mídias sociais para o público infantil acabam sendo patrocinados para fazer publicidade sobre esses alimentos. Em alguns casos, possuem até marcas próprias de seus próprios produtos. Um grande exemplo disso é o caso de um americano conhecido como “Mr. Beast” que além de ser um dos maiores youtubers do mundo, também possui uma marca de chocolates e franquia de hambúrgueres.

  • As crianças são especialmente vulneráveis à publicidade de alimentos, pois ainda não têm a capacidade de discernir totalmente o propósito da publicidade e as mensagens persuasivas que ela transmite. Elas muitas vezes veem personagens de desenhos animados ou celebridades associadas a esses produtos, aumentando ainda mais a atratividade.

 

Regulações e leis relacionadas à publicidade de alimentos infantis: 

A preocupação crescente com a influência da publicidade infantil sobre os hábitos alimentares e a saúde das crianças levou à implementação de várias regulações e leis no Brasil e em todo o mundo. Aqui estão alguns exemplos notáveis:

  • Restrições de publicidade na União Europeia:

Na União Europeia, foram introduzidas regulamentações rigorosas em relação à publicidade de alimentos direcionada às crianças. Os anúncios que promovem alimentos não saudáveis não são permitidos durante programas de televisão infantis e em sites direcionados a crianças. Além disso, os países membros da União Europeia têm a liberdade de adotar medidas mais rigorosas se desejarem.

  • Lei de Rotulagem de Alimentos nos Estados Unidos:

Nos Estados Unidos, a Lei de Rotulagem de Alimentos (Nutrition Labeling and Education Act) exige que os rótulos de alimentos forneçam informações nutricionais claras e precisas. Além disso, esta Lei proíbe a publicidade enganosa de alimentos.

  • Restrições ao marketing de alimentos na Austrália:

A Austrália tem diretrizes específicas que restringem a publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis durante programas de televisão infantis e em escolas. Além disso, foram estabelecidos padrões nutricionais para alimentos e bebidas comercializados para crianças.

Já no Brasil, desde 2010, a Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição (CGAN) tem como objetivo a redução da exposição da sociedade a fatores e situações que estimulem o consumo de alimentos não saudáveis, e dentre medidas adotadas podemos destacar:

  • A regulamentação da venda e propaganda de alimentos nas cantinas escolares;
  • A publicidade direcionada às crianças
  • A rotulagem de produtos dirigidos a lactentes, conforme atualização da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), lançada em 2011, mas elaborada nos anos anteriores.

A regulamentação da publicidade infantil de alimentos também faz parte da publicação “Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil 2011-2022”, produzido por diversas secretarias do Ministério da Saúde, instituições acadêmicas, membros de ONGs do campo da saúde e da defesa dos direitos da criança, associações de portadores de doenças crônicas, entre outros atores.

 

Avaliando a eficácia das regulações: 

Embora essas regulações e leis sejam passos importantes na tentativa de reduzir a influência da publicidade de alimentos sobre as crianças, sua eficácia tem sido objeto de debate. Aqui estão algumas considerações:

  • Desafios na implementação:

A implementação eficaz dessas leis pode ser um desafio, já que monitorar a conformidade e impor as regulamentações pode ser complicado e requer recursos significativos.

  • Publicidade online e mídias sociais:

A publicidade online e nas mídias sociais está em constante crescimento e muitas vezes escapa das regulamentações tradicionais de televisão e rádio. Isso cria um espaço onde alimentos não saudáveis ainda podem ser promovidos às crianças.

  • Responsabilidade compartilhada:

A responsabilidade de proteger as crianças da publicidade não saudável não deve recair apenas sobre os governos e as regulamentações.

A indústria de alimentos também tem um papel a desempenhar, adotando práticas mais éticas de marketing. Além do governo e seus respectivos órgãos, e indústria, os educadores também possuem sua devida responsabilidade sobre a educação e incentivo as escolhas alimentares de seus filhos.

Junk Food

Um estudo conduzido nos Estados Unidos em 2017 utilizou uma nova abordagem para avaliar as políticas de marketing de divulgação de junk food, e como objetivo o estudo buscou avaliar o impacto das políticas de marketing de difusão de junk food nas vendas nacionais e identificar características de política eficazes na redução de vendas. Esse trabalho demonstrou que políticas estatutárias impactaram em uma diminuição significativa nas vendas per capita de junk food, não vistas em países com nenhuma ou apenas políticas de autorregulamentação.

Além disso, constatou que países com políticas legais sobre o marketing de radiodifusão de junk food observaram uma diminuição na média total de vendas de junk food per capita entre 2002 e 2016, enquanto os países sem política e os países que dependem da autorregulação da indústria viram um aumento nas vendas per capita.

Para reduzir efetivamente a exposição ao marketing de junk food voltado para crianças, os governos devem estabelecer regulamentos estatutários fortes e abrangentes.

 

Educação alimentar como ferramenta complementar: 

Além das regulamentações, a educação alimentar desempenha um papel fundamental na proteção das crianças contra os efeitos negativos da publicidade de alimentos não saudáveis. Os programas de educação alimentar nas escolas e em casa podem ajudar as crianças a desenvolver habilidades críticas de pensamento e tomada de decisão em relação aos alimentos que consomem.

No Brasil, a lei Nº 13.666, de 16 de maio de 2018, alterou uma lei publicada em 1996 chamada de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a fim de incluir o tema transversal da educação alimentar e nutricional no currículo escolar.

Como profissionais, o Nutricionista pode atuar diretamente com as crianças e/ou a partir de seus educadores com intuito de estimular e promover a educação sobre alguns pontos como:

  • Educação sobre publicidade:

As crianças devem ser ensinadas a reconhecer as estratégias de marketing usadas na publicidade de alimentos e a entender que nem tudo o que é anunciado é saudável.

  • Habilidades de escolha alimentar:

A educação alimentar pode auxiliar as crianças a desenvolverem habilidades em relação a escolhas alimentares conscientes e saudáveis, aprendendo a ler rótulos nutricionais e avaliar o valor nutricional dos alimentos. O estímulo de forma criativa e lúdica assim como o envolvimento das crianças voltada para o ensino desde a compra até a preparação dos alimentos pode ser útil.

  • Promoção de hábitos alimentares e de vida:

O exemplo guiado pelos educadores de boas práticas alimentares e de vida assim como o incentivo para as crianças pode ser de forte apoio durante esse período da vida. Assim como os bons hábitos se estendem para a alimentação, outros hábitos também devem ser estimulados dentro do possível, como por exemplo: prática de atividade física, esportes e atividades ao ar livre, diminuição e limitação da exposição a telas como televisão, computadores, celulares e tablets, assim como o estímulo a construção de uma rotina de sono saudável.

Obesidade infantil

A obesidade infantil é uma preocupação global que exige uma abordagem multifacetada e multidisciplinar. A publicidade direcionada às crianças desempenha um papel significativo na promoção de alimentos não saudáveis e na criação de uma cultura de consumo prejudicial à saúde.

As regulamentações e as leis são um passo importante na direção certa, mas da mesma forma que é fundamental a luta por suas implementações, sua devida fiscalização e avaliação contínua de eficácia se faz necessária.

  • Além disso, a educação alimentar desempenha um papel crucial na proteção das crianças contra os efeitos negativos da publicidade de alimentos não saudáveis. Através da educação, as crianças podem aprender a fazer escolhas alimentares conscientes e desenvolver hábitos saudáveis que as acompanharão ao longo da vida.

É responsabilidade de governos, indústria de alimentos, escolas, famílias e profissionais de saúde trabalharem juntos para criar um ambiente em que as crianças possam crescer saudáveis, com acesso a informações e alimentos que promovam seu bem-estar e protejam seu futuro. A proteção da saúde das crianças é uma missão que deve ser abraçada por todos, e a regulamentação eficaz da publicidade infantil é apenas um dos passos importantes nessa direção a fim de reverter o quadro pandêmico da obesidade.

Referências:

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