Estratégia nutricional: Jejum

Estratégia nutricional: Jejum

Historicamente, o jejum tem seu início há anos atrás, como uma prática de cunho religioso no período cristão, como um caminho crucial de purificação espiritual.

Contudo, além dos propósitos espirituais, o jejum religioso tem o poder de afetar a saúde física. A comunidade científica se concentrou em três tipos diferentes de jejum religioso, sendo o primeiro, o chamado Ramadã islâmico, o mês sagrado (28 a 30 dias) para os muçulmanos durante o qual eles se abstêm de comer, beber e fumar do nascer do sol (Sahur) ao pôr do sol (Iftar).

Primeira categoria

O jejum do Ramadã é semelhante ao jejum de dias alternados (Alternate-Day Fasting – ADF) porque o período de jejum de 12 horas é alternado com um período de alimentação de 12 horas. A principal diferença entre o ADF e o Ramadã é que este segundo permite beber água durante o jejum de 12 horas.

Do ponto de vista fisiológico, o Ramadã traz algumas mudanças bioquímicas, como a alteração primária de repleção e depleção diária intermitente de glicogênio hepático. Pela manhã, os carboidratos são a principal fonte de energia, enquanto à tarde, os lipídios tornam-se mais importantes até a quebra rápida do jejum ao pôr do sol. Essa prática leva a mudanças nos padrões de sono e atividade, ritmos circadianos e liberação de hormônios, incluindo cortisol, insulina, leptina, grelina, hormônio do crescimento, prolactina, hormônios sexuais e adiponectina.

Segunda categoria

A segunda categoria de jejum inclui os três principais períodos de jejum do cristianismo ortodoxo grego (Natividade, Quaresma e Assunção). A dieta consiste em vegetais e alimentos à base de plantas (como legumes, frutas, nozes e pães). Já frutos do mar são permitidos moderadamente, enquanto peixes e azeite são permitidos em dias específicos, de acordo com o período de jejum. Quanto à composição do jejum, não aparece como fome propriamente dita, mas sim como abstinência de certos tipos de alimentos que trazem mudanças nutricionais e físicas. Nesses casos, pode-se observar uma diminuição da massa corporal e melhora do perfil lipídico, com redução do colesterol total e LDL.

Enquanto a ingestão de proteínas, gorduras totais, gorduras saturadas e ácidos graxos trans diminui durante os períodos de jejum, carboidratos e fibras parecem aumentar, o que pode demonstrar uma alteração nos lipídios séricos. As quantidades de micronutrientes permanecem inalteradas.

Terceira categoria

A terceira e última forma é o Jejum de Daniel que é baseado na Bíblia. Como o jejum cristão ortodoxo grego, o Jejum de Daniel pode ser considerado uma forma de restrição alimentar, mas é mais rigoroso. Envolve uma ingestão de alimentos veganos por 21 dias (incluindo frutas, vegetais, grãos integrais, legumes, nozes e sementes) com privação de produtos de origem animal, conservantes, alimentos refinados, farinha branca, aditivos, adoçantes, aromatizantes, cafeína e álcool.

Alguns estudos, como o de Bloomer et al. demonstraram que seguir esse jejum, reduz significativamente parâmetros e índices metabólicos e cardiovasculares, em particular pressão arterial sistólica e diastólica, colesterol total, LDL e HDL, insulina, HOMA-IR e proteína C-reativa.

Nesse contexto, é interessante abordar os diferentes tipos de jejum existentes, como utilizá-los na prática clínica (melhor momento, formas e tempo) e quais são os seus efeitos na saúde e metabolismo.

Tipos de Jejum

O jejum é uma intervenção de restrição alimentar extrema, pois requer a eliminação completa de nutrientes. Fisiologicamente, o jejum consiste em um catabolismo de lipídios, proteínas e carboidratos com o objetivo de manter os níveis de glicose no sangue em uma faixa normal.

Após um jejum noturno, a fonte mais dominante de glicose é por meio do glicogênio hepático. Contudo, os estoques de glicogênio são depletados em cerca de 48 horas. Após esse período, é necessário que outros substratos sejam convertidos em glicose, como aminoácidos gliconeogênicos, piruvato e lactato, provenientes principalmente do músculo. O glicerol é outro precursor gliconeogênico liberado pelo tecido adiposo após a hidrólise dos triglicerídeos.

Dentre os tipos mais comuns de jejum, podemos citar:

  1. Time Restricted Feeding (TRF) ou Alimentação com restrição de tempo

Por definição, esse é o padrão alimentar no qual a ingestão de alimentos é restrita a uma janela de tempo de 8 a 12 horas, ou até menos, todos os dias.

Pode ser aplicado na forma de 16/8, onde o paciente terá uma janela de alimentação de 8h/dia, em que é permitido consumir alimentos, e nas 16h seguintes, acontecerá o jejum. Ou pode ser aplicado também no modelo 12/12, onde as janelas de alimentação e jejum duram o mesmo tempo.

  1. Intermittent Fasting (IF) ou Jejum Intermitente

Este se subdivide em 2 tipos, sendo eles:

2.1 Jejum em dias alternados (ADF)

Este modelo envolve jejuar em determinados dias da semana, ou no formato “dia sim, dia não”.

O formato mais comum de aplicação é o de 5/2, onde as calorias são severamente restritas por 2 dias não consecutivos, e nos outros 5 dias da semana ocorre a alimentação normalmente.

2.2 Jejum em dias alternados modificados (MADF)

Neste modelo é seguida uma restrição calórica severa e específica nos dias de jejum, onde a ingestão calórica consiste de 15 a 25% das necessidades dietéticas nesses dias.

O modelo mais comum de aplicação também segue o padrão 5/2. Entretanto, neste modelo o consumo fica restrito entre 15%–25% da necessidade dietética diária durante 2 dias de jejum não consecutivos na semana. Após, a ingestão de alimentos durante os 5 dias restantes é ad libitum (à vontade).

  1. Prolonged Fasting (PF) ou Jejum prolongado

Esse é o modelo de jejum cuja duração varia entre 4 a 7 dias, no qual é permitido apenas a ingestão de água, normalmente.

Neste formato, não são definidos métodos de práticas comuns. Praticam-se períodos de jejum deliberado, com restrições à ingestão de alimentos.

Quais os efeitos metabólicos dos tipos de jejum?

TRF: esse modelo demonstra uma mobilização de ácidos graxos livres (FFA) e aumento da oxidação de gordura e da produção de cetonas. Além disso, no modelo TRF com restrição calórica de 20% da ingestão calórica diária, observa-se perda de peso corporal (mantida por 1 ano), melhora na satisfação do sono, menos fome na hora de dormir e aumento de energia.

ADF: Uma ADF prolongada por 22 dias, leva à perda de peso e apresenta alguns benefícios, como: melhora do perfil metabólico, pressão arterial e inflamação, além de melhora de marcadores cardiovasculares, redução de massa gorda e redução dos níveis de sICAM-1 (um marcador inflamatório associado à idade) e de lipoproteína de baixa densidade (LDL). Em pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), este modelo parece alcançar uma redução no peso corporal e melhora da dislipidemia em um período relativamente curto (4 a 12 semanas), o que pode ser uma estratégia interessante.

MADF: este modelo de jejum tem sido correlacionado à redução do peso corporal, circunferência da cintura, glicemia de jejum, colesterol total, triglicerídeos, LDL e pressão arterial. O modelo MADF parece melhorar vários biomarcadores importantes do risco de doença arterial coronariana e também parece ser capaz de modificar o perfil lipídico sérico.

PF: Nesse formato, há relatos em literatura de reduções de 40 a 50% nas concentrações circulantes das citocinas pró-inflamatórias (TNF-α e CRP) e o jejum realizado por 3 ou mais dias, leva a uma diminuição de 30% ou mais na concentração de glicose e insulina circulantes, bem como um rápido declínio nos níveis de IGF-1 e um aumento em uma das principais proteínas inibidoras de IGF-1, IGFBP1.

Mas o jejum é de fato seguro para ser feito em qualquer situação?

Apesar da crença geral de que o jejum pode causar perda muscular, diversos estudos clínicos mostram o contrário. Esse conceito é explicado pela gliconeogênese a partir da proteína, tendo início cerca de 24h após o start do jejum. A adaptação hormonal ao jejum também protege fisiologicamente a massa corporal magra.

Com isso, durante o jejum, todo o peso corporal é reduzido, principalmente em termos de massa gorda e água corporal total, ao mesmo tempo em que promove a depleção do armazenamento de gordura, sendo um método bastante seguro de ser aplicado.

Mas, como em toda regra há uma exceção, alguns critérios devem ser levados em consideração para escolher quem será elegível ou não ao jejum, sendo estes:

  • Crianças e adolescentes devem ser excluídos de qualquer tipo de modelo de jejum, pois pode ser psicologicamente e fisiologicamente perigoso;
  • Gestantes, lactantes e idosos com mais de 75 anos também não devem realizar jejuns, pois esses grupos precisam de requisitos energéticos e nutricionais precisos, não sendo adequado eliminar nutrientes essenciais, mesmo que por um curto período;
  • Em pacientes com infecção ativa, risco de infecção repetitiva, febre, tosse, diarreia ou imunodepleção persistente, o jejum não é sugerido;
  • Para diabéticos, a American Diabetes Association não recomenda o jejum como uma técnica para ser usada como controle do diabetes;
  • Pacientes com diagnóstico de transtornos alimentares, também não são candidatos ideais para o modelo de jejum, pelo risco de aumentar seu transtorno.

Outros efeitos metabólicos 

Uma restrição calórica combinada à perda de peso, influenciam positivamente o desenvolvimento da Diabetes tipo 2 (DM2). Uma perda de 5% ou mais do peso corporal pode reduzir a hemoglobina glicada (HbA1c), os níveis de lipoproteínas e a pressão arterial. Contudo, pacientes com DM2 que usam outros tipos de medicamentos antidiabéticos, especialmente insulina (prandial e basal) e as sulfoniluréias (incluindo as meglitinidas de ação curta), estão propensos a um alto risco de hipoglicemia.

  • No peso

Há relatos em literatura de aplicação de jejum intermitente por 6 meses em mulheres com sobrepeso, demonstrando perda de peso, melhora na sensibilidade à insulina e maior redução na circunferência da cintura.

  • Na microbiota

Há registros que demonstram a capacidade do jejum intermitente de modular beneficamente o microbioma intestinal, melhorando a permeabilidade intestinal, diminuindo os níveis de lipopolissacarídeo plasmático, melhorando a diversidade microbiana intestinal e aumentando a abundância de várias bactérias benéficas, incluindo as produtoras de butirato.

  • No ciclo circadiano

O ritmo circadiano representa todos os processos fisiológicos envolvidos em um período de 1 dia, como ciclo sono/vigília, sinais vitais, secreção hormonal, desempenho cognitivo e regulação do humor. Um estudo randomizado com 11 adultos em 4 dias de TRF, com sobrepeso, em que o alimento foi consumido entre 8h e 14h (jejum precoce) ou 8h e 20h (controle), demonstrou melhora média da glicose de 24 horas e induziu amplas mudanças na expressão do gene do relógio circadiano, bem como na expressão de hormônios e genes relacionados à longevidade e autofagia, implicando efeitos anti-envelhecimento.

Quando utilizar o jejum como estratégia? 

ADF: Muito usado em redução de peso e bastante útil em casos de doença hepática gordurosa não alcoólica.

MADF: Bastante usado em casos de risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares e em redução de peso.

PF: Estratégia usada em casos de redução de peso, melhora de inflamações e melhora no perfil glicêmico.

TRF: Este surgiu como uma estratégia inovadora para prevenir e tratar distúrbios de saúde mental, de sono e comprometimento cognitivo. A manipulação do tempo de alimentação/jejum surgiu como uma estratégia para contrastar e tratar o declínio cognitivo. Sendo assim, o TRF pode estar positivamente associado ao estado cognitivo e, portanto, exercer efeitos plausíveis na saúde do cérebro. Estudos revelam uma redução nos níveis do Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF), um biomarcador ligado ao déficit cognitivo relacionado à idade, onde o jejum poderia aumentar a plasticidade sináptica, a neurogênese e a neuroproteção, especialmente por um aumento no BDNF, que também afeta as células precursoras neurais (NPC) e desempenha um papel na separação do padrão espacial, um domínio fundamental da aprendizagem e da memória.

A história do jejum é muito rica e variada, evoluindo de práticas religiosas para uma abordagem promissora no campo da saúde. No entanto, é crucial lembrar que o jejum não é adequado para todos. Antes de adotar qualquer forma de jejum, é recomendável avaliar o paciente como um todo para garantir que seja seguro e adequado às necessidades individuais.

Em última análise, o jejum demonstrou ter potenciais benefícios no metabolismo, perda de peso, microbiota, pressão arterial, diabetes e ciclo circadiano.

Portanto, qualquer abordagem de jejum deve ser adotada com moderação, respeitando as limitações e necessidades únicas de cada pessoa.

Referências:

  • Aragon, A.A.; Schoenfeld, B.J. Does Timing Matter? A Narrative Review of Intermittent Fasting Variants and Their Effects on Bodyweight and Body Composition. Nutrients 2022, 14, 5022.

Does Timing Matter? A Narrative Review of Intermittent Fasting Variants and Their Effects on Bodyweight and Body Composition

  • Attinà, A.; Leggeri, C.; Paroni, R.; Pivari, F.; Dei Cas, M.; Mingione, A.; Dri, M.; Marchetti, M.; Di Renzo, L. Fasting: How to Guide. Nutrients 2021, 13, 1570.

Fasting: How to Guide

  • Lavallee, C.M.; Bruno, A.; Ma, C.; Raman, M. The Role of Intermittent Fasting in the Management of Nonalcoholic Fatty Liver Disease: A Narrative Review. Nutrients 2022, 14, 4655.

The Role of Intermittent Fasting in the Management of Nonalcoholic Fatty Liver Disease: A Narrative Review

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Back To Top