As complexidades etiológicas do nascimento prematuro ainda não são totalmente compreendidas, o que pode ser um impasse no desenvolvimento de melhores medidas preventivas e de tratamento. A fim de compreender melhor a temática, um trabalho publicado neste ano buscou examinar a associação entre fenótipos específicos do nascimento pré-termo e diferenças clínicas, de crescimento e de neurodesenvolvimento entre recém-nascidos pré-termo em comparação com recém-nascidos a termo até a idade de 2 anos.
O estudo INTERBIO-21st incluiu uma coorte de recém-nascidos prematuros e nascidos a termo matriculados em maternidades entre Março de 2012 e Junho de 2018, em 6 países em todo o mundo, e que foram acompanhados desde o nascimento até a idade de 2 anos. Todas as gestações foram datadas por ultrassonografia. Os dados foram analisados de Novembro de 2019 a Outubro de 2020.
Foram inscritos recém-nascidos prematuros que nasceram vivos com 23 semanas e 0 dias a 36 semanas e 6 dias de gestação e recém-nascidos a termo que nasceram vivos com 37 semanas e 0 dias a 41 semanas e 6 dias de gestação. Todos os recém-nascidos foram concebidos naturalmente como filhos únicos com mães com idade de 18 anos ou mais que residiam na área de abrangência do hospital participante. A idade gestacional foi estimada por medição ultrassonográfica do comprimento cabeça-nádega em menos de 14 semanas e 0 dias de gestação (75% dos recém-nascidos) ou perímetro cefálico em menos de 24 semanas e 0 dias de gestação (25% dos recém-nascidos) usando os padrões INTERGROWTH-21st. Ao nascer, foi mensurado o peso, o comprimento e o perímetro cefálico seguindo os protocolos INTERGROWTH-21st e nas idades de 1 e 2 anos, de acordo com os protocolos da OMS.
Para construir os fenótipos do nascimento pré-termo foram guiados pelo trabalho do consórcio INTERGROWTH-21st, que forneceu uma estrutura conceitual e fatores etiológicos que foram testados empiricamente.
Após todas as exclusões, um total de 6.529 bebês (3.312 meninos [50,7%]) foram incluídos na análise final. Destes, 1.381 recém-nascidos foram nascidos prematuros (idade gestacional média ao nascer: 34,4 semanas; idade materna média: 29 anos e 3 meses) e 5.148 recém-nascidos foram nascidos a termo (idade gestacional média ao nascer: 39,4 semanas; idade materna média: 29 anos e 3 meses).
Entre 1.381 recém-nascidos prematuros, 8 fenótipos foram identificados:
– Nenhuma condição materna, fetal ou placentária principal detectada (485 bebês [35,1%]);
– Infecções (289 bebês [20,9%]);
– Pré-eclâmpsia (162 bebês [11,7%]);
– Sofrimento fetal (131 bebês [9.5 %]);
– Restrição de crescimento intrauterino (110 bebês [8,0%]);
– Doença materna grave (85 bebês [6,2%]);
– Sangramento (71 bebês [5,1%]);
– Anomalia congênita (48 bebês [3,5%]).
Cada fenótipo apresentou diferenças na morbidade neonatal e nos resultados dos bebês.
Os partos cesáreos foram mais comuns entre recém-nascidos prematuros em comparação com recém-nascidos a termo (696 de 1381 bebês [50,4%] vs 1778 de 5148 bebês [34,5%], respectivamente) e entre recém-nascidos prematuros com fenótipos específicos, como pré-eclâmpsia, sangramento, sofrimento fetal e doença materna grave.
Condições como ruptura prematura das membranas pré-termo eram mais comuns entre aqueles com fenótipos de nascimento prematuro para infecções, doença materna grave e anomalia congênita. Além disso, recém-nascidos com fenótipos prematuros tiveram menor peso, comprimento e perímetro cefálico ao nascer, morbidade neonatal mais alta, e maior mortalidade neonatal em comparação com o grupo de recém-nascidos a termo. No geral, 249 recém-nascidos prematuros (18,0%) eram pequenos para a idade gestacional e a maioria estava associado aos fenótipos de restrição de crescimento intrauterino, pré-eclâmpsia e sofrimento fetal.
Todos os fenótipos de nascimento prematuro tiveram um risco aumentado de morbidade neonatal grave em comparação com o fenótipo sem doença principal. O maior risco de morbidade neonatal grave foi encontrado em recém-nascidos com o fenótipo de infecções, sangramento e anomalia congênita. O menor risco de morbidade neonatal grave foi observado em recém-nascidos com o fenótipo de restrição de crescimento intrauterino; entretanto, os recém-nascidos com esse fenótipo apresentaram o maior risco de restrição de crescimento neonatal e pós-natal.
Aqueles com os fenótipos de pré-eclâmpsia e restrição de crescimento intrauterino tiveram mais episódios associados à infecção. Recém-nascidos sem a condição principal, com fenótipos de sangramento, restrição de crescimento intrauterino e sofrimento fetal tiveram um risco maior de distúrbios neurológicos e aqueles com infecções, sangramento e fenótipos de sofrimento fetal tiveram um risco maior de condições clínicas graves.
Os padrões pós-natais variaram de acordo com o fenótipo e a idade. Por exemplo, recém-nascidos com o fenótipo de restrição de crescimento intrauterino tiveram morbidade neonatal mais baixa, entretanto, maior restrição de crescimento e atraso no desenvolvimento neurológico na infância. Os recém-nascidos sem fenótipo de doença principal, que não eram pequenos para a idade gestacional, apresentaram menor morbidade neonatal, entretanto, maior morbidade aos 2 anos de idade. Aqueles com o fenótipo de infecções tinham idades gestacionais mais baixas ao nascimento e um baixo risco de serem pequenos para a idade gestacional, mas um alto risco de morbidade e restrição de crescimento pós-natal.
Apesar dos resultados, o estudo apresentou limitações, como por exemplo, a perda de seguimento aos 2 anos maior do que em estudos anteriores, pois alguns locais estavam localizados em áreas rurais ou semi-urbanas.
A classificação fenotípica de recém-nascidos prematuros provavelmente proporcionará uma melhor compreensão dos fatores etiológicos e mecanismos associados. Embora os resultados do estudo indiquem que aproximadamente 35% dos fenótipos não foram associados a condições clínicas distintas, os recém-nascidos com fenótipos de nascimento prematuro, no entanto, permanecem em maior risco de problemas de crescimento e desenvolvimento.
Referências:
1) Villar J, Abalos E, Carroli G, et al; World Health Organization Antenatal Care Trial Research Group. Heterogeneity of perinatal outcomes in the preterm delivery syndrome.Obstet Gynecol. 2004;104(1):78- 87;
2) Kramer MS, Papageorghiou A, Culhane J, et al. Challenges in defining and classifying the preterm birth syndrome. Am J Obstet Gynecol. 2012;206(2): 108-112;
3) Barros FC, Papageorghiou AT, Victora CG, et al; International Fetal and Newborn Growth Consortium for the 21st Century. The distribution of clinical phenotypes of preterm birth syndrome: implications for prevention.JAMA Pediatr. 2015;169 (3):220-229;
4) Villar, Jose, et al. “Association between preterm-birth phenotypes and differential morbidity, growth, and neurodevelopment at age 2 years: Results from the INTERBIO-21st newborn study.” JAMA pediatrics 175.5 (2021): 483-493.