Autismo e seletividade alimentar

Autismo e seletividade alimentar

Também conhecido como Transtorno do Espectro Autista (TEA), o autismo é uma condição neurológica complexa que afeta o desenvolvimento e o funcionamento social, comunicativo e comportamental de uma pessoa.

Caracteriza-se por padrões repetitivos de comportamento, dificuldades na interação social, comunicação verbal e não verbal, além de interesses restritos e estereotipados. O autismo é uma condição comum, afetando cerca de 1 em cada 59 crianças, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC).

Nesse contexto, iremos abordar os principais tópicos sobre o TEA, incluindo: características, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento nutricional.

  • Características:

As características do autismo variam amplamente entre os indivíduos, pois o espectro abrange uma ampla gama de habilidades e desafios. Algumas das principais características incluem dificuldades na comunicação, como atraso no desenvolvimento da linguagem, dificuldade em iniciar ou manter uma conversa e uso limitado de gestos e expressões faciais.

Outra característica é a dificuldade na interação social, manifestando-se como problemas em entender e interpretar as emoções dos outros, dificuldade em estabelecer amizades e preferência por atividades solitárias. Além disso, indivíduos com autismo podem apresentar comportamentos repetitivos, como balançar o corpo, girar objetos ou seguir rotinas rígidas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima a prevalência internacional de TEA em 0,76%, isso representa aproximadamente 16% da população infantil global.

O TEA é mais comum em homens, tendo uma proporção de 3:1 (homens x mulheres). O fenótipo do autismo feminino pode desempenhar um papel nas meninas de serem mal diagnosticadas, diagnosticadas mais tarde ou negligenciadas. As mulheres não são apenas menos propensas a apresentar sintomas evidentes, mas também são mais propensas a mascarar seus déficits sociais por meio de um processo chamado “camuflagem”, dificultando ainda mais um diagnóstico preciso.

  • Diagnóstico:

A avaliação do TEA começa com uma triagem da população pediátrica geral para identificar crianças em risco ou que demonstram sinais sugestivos do transtorno. As diretrizes da Academia Americana de Pediatria (AAP) recomendam a vigilância do desenvolvimento aos 9, 15 e 30 meses de consultas infantis e triagem específica do autismo aos 18 meses e novamente aos 24 ou 30 meses.

As primeiras bandeiras vermelhas incluem: contato visual baixo, pouca resposta ao nome, falta de exibição e compartilhamento, ausência de gestos aos 12 meses e perda de linguagem ou habilidades sociais.

As ferramentas de triagem para TEA nessa população incluem a lista de verificação modificada para autismo em bebês, revisada, com acompanhamento e pesquisa de bem-estar de crianças pequenas. As bandeiras vermelhas em pré-escolares podem incluir brincadeiras de faz de conta limitadas, interesses estranhos ou intensamente focados e rigidez.

  • Fisiopatologia:

A fisiopatologia exata do autismo ainda não é totalmente compreendida, mas pesquisas sugerem que há uma combinação entre fatores genéticos e ambientais, que podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento do transtorno. Estudos genéticos têm identificado várias mutações associadas ao autismo, embora não haja um único gene responsável pela condição. Além disso, fatores ambientais, como exposição a toxinas durante a gravidez, também podem influenciar no risco de desenvolvimento do transtorno.

Acredita-se que o autismo envolva alterações na conectividade e no funcionamento cerebral, particularmente em áreas do cérebro responsáveis pela comunicação e interação social. Algumas alterações podem desequilibrar o desenvolvimento do cérebro ou a função dos neurotransmissores, ou alguns genes podem afetar a excitabilidade neuronal.

  • Consequências:

As consequências do TEA podem variar dependendo do grau de comprometimento das habilidades sociais e de comunicação do indivíduo. Alguns podem enfrentar desafios significativos na vida diária, na educação e no trabalho, enquanto outros podem ter uma maior independência e sucesso nas atividades cotidianas.

Dificuldades de comunicação podem levar a problemas na escola e no trabalho, além de dificultar a interação social e afetar os relacionamentos pessoais. Comportamentos repetitivos podem causar estigmatização e isolamento social. Além disso, crianças com transtorno do espectro do autismo têm um risco aumentado de ter epilepsia, no entanto, uma correlação causal ainda não foi identificada.

  • Tratamentos para o autismo:

O tratamento do autismo é multidisciplinar e geralmente envolve uma abordagem individualizada que considera as necessidades específicas de cada pessoa no espectro autista. Alguns dos principais tratamentos incluem:

Intervenção comportamental: Terapias baseadas em comportamento, como ABA (Análise do Comportamento Aplicada), são frequentemente utilizadas para melhorar habilidades sociais, comunicação e reduzir comportamentos problemáticos.

Intervenção educacional: Programas educacionais especializados podem ajudar a desenvolver habilidades acadêmicas e sociais.

Terapia da fala: Ajuda a melhorar a comunicação verbal e não verbal.

Terapia ocupacional: Foca em habilidades motoras e atividades de vida diária.

Medicamentos: Podem ser usados para tratar sintomas específicos associados ao autismo, como hiperatividade, agressividade ou ansiedade.

  • Autismo e seletividade alimentar:

A seletividade alimentar é comum em crianças com autismo. Estima-se a prevalência de problemas de alimentação em crianças com TEA, é 5 vezes maior do que em crianças neurotípicas, culminando em uma variedade alimentar limitada, inadequação de nutrientes, especialmente de proteínas, cálcio, fósforo, selênio, vitamina D, tiamina, riboflavina, vitamina B12 e ω-3, além de desenvolverem mais facilmente o excesso de peso.

Isso significa que essas crianças podem ter uma restrição significativa na variedade de alimentos que consomem, limitando-se a um pequeno número de itens preferidos.

  • Causas da seletividade alimentar no autismo:

As causas da seletividade alimentar em indivíduos com autismo são complexas e variadas. Alguns dos fatores que podem contribuir para essa seletividade, incluem:

Sensibilidades sensoriais: Algumas crianças com autismo podem ser hipersensíveis a certos sabores, texturas, temperaturas, cores ou cheiros, o que as torna mais seletivas em relação aos alimentos.

Rigidez comportamental: O autismo é frequentemente associado a comportamentos repetitivos e rígidos. Essa rigidez pode se estender à alimentação, levando a uma relutância em experimentar novos alimentos.

Ansiedade ou aversão associada: Algumas crianças com autismo podem associar a experiência de comer a sentimentos de ansiedade ou aversão, o que torna a alimentação uma tarefa difícil e desagradável.

Dificuldades sensoriais e motoras orais: Algumas crianças com autismo podem ter dificuldades sensoriais ou motoras orais, o que torna a mastigação e a deglutição desconfortáveis.

Preferência por rotina: Muitas crianças com autismo preferem rotinas estáveis e previsíveis. A introdução de novos alimentos pode quebrar essa rotina e causar desconforto.

  • Manejo nutricional da seletividade alimentar:

O manejo nutricional da seletividade alimentar em indivíduos com autismo deve ser cuidadoso e individualizado. É essencial abordar as necessidades nutricionais, promover uma dieta balanceada e garantir que a seletividade alimentar não leve à deficiência de nutrientes essenciais. Sendo assim, aqui vão algumas estratégias e orientações para realizar o melhor manejo nutricional nesses pacientes:

Intervenção comportamental: O uso de terapias comportamentais pode ajudar a abordar a seletividade alimentar, ensinando gradualmente a aceitação de novos alimentos.

Intervenção sensorial: Trabalhar as sensibilidades sensoriais pode ajudar a reduzir as aversões alimentares, como testes de texturas e consistências.

Introdução gradual de novos alimentos: É importante introduzir novos alimentos de forma gradual e respeitar o tempo e as preferências da criança, um exemplo prático seria: ela ama manga mas não quer experimentar a banana, você pode fazer um sorbet de manga e um sorbet de banana, para que ela compare as texturas semelhantes, cores e tente experimentar, pela consistência parecida.

Nutrientes suplementares: Em alguns casos, suplementos nutricionais podem ser recomendados para garantir a ingestão adequada de nutrientes, sendo adicionados em sucos ou na comida, por exemplo, caso a criança não possa ou não tolere cápsulas;

Incorporar alimentos preferidos em preparações mais nutritivas: Aproveitar alimentos preferidos para criar pratos mais nutritivos pode ser uma estratégia útil. Por exemplo, ela ama verdes e não quer experimentar amarelos, você pode experimentar criar um suco verde, mas batido com uma fruta amarela e porcionar em um copo verde.

  • Nutrientes específicos para se atentar:

Ao lidar com a seletividade alimentar, é importante garantir que a dieta do paciente com autismo forneça os nutrientes essenciais para o seu crescimento, desenvolvimento e saúde geral. Alguns nutrientes específicos que podem requerer atenção especial incluem:

Proteínas: Importantes para o crescimento e reparação de tecidos. Garantir o consumo adequado de proteínas pode ser especialmente relevante para crianças em crescimento.

Vitaminas e minerais: Ingestão adequada de vitaminas e minerais é fundamental para diversas funções do organismo, como o metabolismo, imunidade e saúde dos ossos.

Fibras: Podem ajudar a melhorar a função intestinal e prevenir a constipação, um problema comum em indivíduos com autismo.

Ômega-3: Alguns estudos sugerem que a suplementação de ácidos graxos ômega-3 pode ser benéfica para o desenvolvimento cerebral e a função cognitiva em indivíduos com autismo.

Vitamina D: Importante para a saúde dos ossos e sistema imunológico. A exposição solar adequada e a ingestão de alimentos fonte de vitamina D podem ser relevantes para algumas pessoas com autismo que possam ter restrições alimentares ou outras limitações.

Em suma, o autismo é uma condição neurológica complexa que afeta o desenvolvimento e o funcionamento social, comunicativo e comportamental de uma pessoa. A seletividade alimentar é comum em indivíduos com autismo e pode ser influenciada por fatores como sensibilidades sensoriais, rigidez comportamental e dificuldades orais.

O manejo nutricional deve ser individualizado, abordando as necessidades nutricionais específicas e promovendo uma dieta balanceada. A introdução gradual de novos alimentos, o uso de estratégias comportamentais e, se necessário, o uso de suplementos nutricionais podem ser úteis para lidar com a seletividade alimentar e garantir uma alimentação saudável e adequada.

O cuidado e o apoio multidisciplinar são essenciais para promover o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas com autismo, podendo ter o apoio e a combinação de estratégias entre: nutricionistas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, por exemplo.

Referências:

  • Bandini LG, Anderson SE, Curtin C, Cermak S, Evans EW, Scampini R, Maslin M, Must A. Food selectivity in children with autism spectrum disorders and typically developing children. J Pediatr. 2010 Aug;157(2):259-64. doi: 10.1016/j.jpeds.2010.02.013. Epub 2010 Apr 1. PMID: 20362301; PMCID: PMC2936505.
  • Harris HA, Micali N, Moll HA, van Berckelaer-Onnes I, Hillegers M, Jansen PW. The role of food selectivity in the association between child autistic traits and constipation. Int J Eat Disord. 2021 Jun;54(6):981-985. doi: 10.1002/eat.23485. Epub 2021 Feb 17. PMID: 33594728; PMCID: PMC8248436.
  • Harris HA, Mou Y, Dieleman GC, Voortman T, Jansen PW. Child Autistic Traits, Food Selectivity, and Diet Quality: A Population-Based Study. J Nutr. 2022 Mar 3;152(3):856-862. doi: 10.1093/jn/nxab413. PMID: 34871440; PMCID: PMC8891181.
  • Hodges H, Fealko C, Soares N. Autism spectrum disorder: definition, epidemiology, causes, and clinical evaluation. Transl Pediatr. 2020 Feb;9(Suppl 1):S55-S65. doi: 10.21037/tp.2019.09.09. PMID: 32206584; PMCID: PMC7082249.
  • Mughal S, Faizy RM, Saadabadi A. Autism Spectrum Disorder. [Updated 2022 Jul 19]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan-.
  • Reche-Olmedo L, Torres-Collado L, Compañ-Gabucio LM, Garcia-de-la-Hera M. The Role of Occupational Therapy in Managing Food Selectivity of Children with Autism Spectrum Disorder: A Scoping Review. Children. 2021; 8(11):1024.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Back To Top