Pele e intestino são órgãos ativos e complexos, caracterizados por hospedar uma ampla gama de microbiomas. De acordo com a colonização intestinal, processos metabólicos e imunológicos podem ocorrer, viabilizando, ou não, a saúde do indivíduo.
O intestino é responsável pela digestão e absorção dos nutrientes dos alimentos, além de se apresentar como um importante barreira física contra a invasão de microrganismos patogênicos. No entanto, além dessas funções bem conhecidas, o intestino abriga uma diversidade de microrganismos, conhecida como microbiota intestinal, que desempenha um papel fundamental na saúde do indivíduo.
A microbiota intestinal desempenha uma série de funções benéficas, como a produção de vitaminas, a fermentação de fibras alimentares não digeríveis e a proteção contra patógenos. Além disso, também exerce um papel crucial na modulação do sistema imunológico e na regulação da inflamação. Estudos científicos têm demonstrado que alterações na composição e na função da microbiota intestinal estão associadas a diversas condições de saúde, como obesidade, diabetes, doenças inflamatórias intestinais, e até mesmo, doenças dermatológicas.
A conexão entre o intestino e a pele é mediada principalmente por meio da inflamação. A disbiose atua como fator associado ao desenvolvimento de doenças autoimunes inflamatórias e sistêmicas, por gerar disfunção da barreira intestinal (leaky gut), elevando a atividade de citocinas pró-inflamatórias. Esses compostos podem desencadear uma resposta inflamatória sistêmica, afetando a pele e contribuindo para o desenvolvimento de condições dermatológicas, como acne, eczema, psoríase e rosácea.
A disbiose intestinal também aumenta a permeabilidade do revestimento intestinal, ativando células T inflamatórias. Isso leva a um ciclo vicioso de inflamação sistêmica crônica. Metabólitos também são produzidos por certas bactérias patogênicas na disbiose intestinal, podendo prejudicar a diferenciação da pele e a integridade da barreira cutânea. Altos níveis de p-cresol, um desses metabólitos, no sangue estão associados a problemas de hidratação e queratinização da pele. Esses são apenas alguns dos mecanismos pelos quais um microbioma intestinal perturbado afeta a função da pele.
Além disso, estudos recentes têm evidenciado a relação entre a microbiota intestinal e a saúde da pele. A microbiota intestinal desempenha um papel na regulação do sistema imunológico cutâneo e na produção de substâncias que influenciam a saúde da pele. Dessa forma, o equilíbrio da microbiota intestinal pode ser um importante fator no tratamento e na prevenção de doenças da pele.
Eixo intestino-cérebro-pele
Em 1930, Stokes e Pillsbury propuseram um mecanismo gastrointestinal para explicar como os estados emocionais afetam a pele. Eles sugeriram que a função alterada do trato gastrointestinal e da microbiota poderiam levar à inflamação local e sistêmica, ligando assim estados emocionais a condições inflamatórias da pele. Com base em evidências de pacientes com acne que apresentavam baixa acidez estomacal, eles levantaram a hipótese de que a dispepsia pode causar a migração de bactérias colônicas e interromper a microbiota intestinal normal.
Eles também propuseram que o estresse poderia alterar a microbiota, aumentando a permeabilidade intestinal e causando inflamação na pele. Stokes e Pillsbury recomendaram o uso de organismos acidófilos, como o Bacillus acidophilus, para interromper esse ciclo induzido pelo estresse.
Um baixo nível de acidez gástrica permite a migração de bactérias para partes distais do intestino delgado, criando um estado de disbiose intestinal e supercrescimento bacteriano do intestino delgado (SIBO). Com isso, há uma competição por nutrientes, prejudicando sua absorção e comprometendo a saúde, inclusive da pele.
A SIBO pode variar sendo assintomática, ou até mesmo, causar síndrome de má absorção grave, e está associada a sintomas gastrointestinais leves, como inchaço, diarreia, dor abdominal e constipação. Está relacionada a síndromes funcionais, como fibromialgia e síndrome de fadiga crônica, e também, à rosácea, e sua resolução resulta em melhora clínica. A administração oral de probióticos tem sido benéfica na redução da SIBO, mas ainda faltam estudos para se recomendar cepas específicas.
A acne vulgaris é uma doença crônica da unidade pilossebácea que se caracteriza por comedões não inflamatórios, pápulas, pústulas e nódulos inflamatórios. Sua fisiopatologia envolve principalmente a produção excessiva de sebo, a obstrução dos ductos devido à descamação dos queratinócitos e a inflamação causada pela presença da bactéria Propionibacterium acnes.
Um dos mecanismos propostos da relação da microbiota intestinal na fisiopatologia da acne por meio da interação entre as bactérias intestinais comensais é a via mTOR. Estudos mostraram que os metabólitos produzidos pela microbiota intestinal regulam a proliferação celular, o metabolismo lipídico e outras funções metabólicas controladas pela via mTOR. Por sua vez, a via mTOR pode afetar a composição da microbiota intestinal, regulando a função da barreira intestinal. Quando ocorre disbiose intestinal e comprometimento da barreira intestinal, essa relação bidirecional pode resultar em um ciclo de feedback positivo de inflamação metabólica. Dado o papel importante da via mTORC1 na patogênese da acne, essa interação entre o microbioma intestinal e a via mTOR representa um mecanismo pelo qual o microbioma pode influenciar a ocorrência da acne.
A rosácea é uma condição comum caracterizada por inflamação crônica na área central da face e olhos, levando a desconforto social e um impacto significativo na qualidade de vida. É uma doença multifacetada com quatro fases: rubor, eritrose, papulopústulas e fima (hipertrofia das glândulas sebáceas e pela externa de tecido conectivo e vasos sanguíneos). Os distúrbios gastrointestinais são frequentemente relatados por pacientes com rosácea, incluindo dispepsia, inchaço, dor abdominal e alterações nos hábitos intestinais. Também existem associações entre rosácea e condições como colite ulcerativa, doença de Crohn e doença celíaca.
Dieta e pele
Uma dieta de elevada carga glicêmica promove aumento na sinalização de insulina/fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1), que pode gerar uma cascata de sinalizações via mTORC1, mediando a hiperproliferação da glândula sebácea, lipogênese e hiperplasia de queratinócitos, contribuindo para o desenvolvimento da acne. Outros fatores dietéticos também se relacionam à permeabilidade intestinal e subsequente translocação de bactérias.
Uma dieta deficiente em vitamina A, está associada a uma redução da altura das vilosidades no intestino e a uma redução da atividade dos dissacarídeos, levando a lesões intestinais. Já uma dieta que inclui prebióticos e probióticos, pode promover estabilização e manutenção da integridade de barreira.
Portanto, levar em consideração a colonização e integridade da microbiota intestinal, é fundamental na tomada de conduta pelo Nutricionista em relação à saúde integral e da epiderme do paciente.
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