O café não afeta o sono?

O café é uma das bebidas mais populares no mundo e possui um lugar especial na cultura de muitos países, inclusivo do Brasil. É produzido em mais de 70 países e é consumido em todo o mundo, sendo uma das bebidas mais consumidas no mundo.

Segundo a Organização Internacional do Café (ICO), em 2021 foram produzidas cerca de 168,5 milhões de sacas de café em todo o mundo. Além disso, o consumo mundial de café aumentou 4,2%, para 175,6 milhões de sacas, no ano de 2021.

O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo. A produção de café na América do Sul foi estimada em 77,47 milhões de sacas de 60kg, volume que representa 46% da safra mundial do ano-cafeeiro 2021-2022. O país possui uma longa história com a bebida e é considerado um dos maiores consumidores de café per capita, com uma média de cerca de 4,8 kg por pessoa por ano. Além disso, é uma cultura importante para a economia do Brasil, sendo cultivado em diversas regiões do país, principalmente em Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo.

O café é uma bebida muito popular por várias razões, incluindo seu sabor e aroma distintos, além de suas propriedades estimulantes. A cafeína é a sua principal substância estimulante, mas a bebida também contém outros compostos bioativos, como polifenóis e ácidos clorogênicos, que têm sido associados a vários benefícios para a saúde.

Uma meta-analise de estudos observacionais e intervencionais identificou que a ingestão de café foi apoiada por associações significativas com menor risco para os desfechos genéricos de mortalidade por todas as causas, mortalidade cardiovascular e câncer (menor risco de cânceres específicos, incluindo câncer de próstata, câncer de endométrio, melanoma e câncer de fígado). Também houve associações benéficas com condições metabólicas e hepáticas, incluindo diabetes tipo 2, síndrome metabólica, cálculos biliares, gota, cálculos renais, fibrose hepática, cirrose e doença hepática crônica.

Esses benefícios têm sido associados a dose de 3 a 4 xícaras/dia (sendo uma xícara equivalente a 240ml). De acordo com a Food and Drug Association, o consumo de 4 a 5 xícaras de café é considerado seguro para indivíduos saudáveis, no entanto, deve-se levar em consideração a sensibilidade do indivíduo a cafeína.

Os efeitos do café variam entre os indivíduos e o consumo excessivo de pode ter efeitos negativos na saúde, incluindo a possibilidade de causar ansiedade, insônia, tremores e palpitações, além de poder aumentar a pressão arterial.

Em relação ao sono, o café pode causar prejuízos, mesmo quando ingeridos horas antes. Como mencionado anteriormente, a cafeína é o principal composto bioativo do café que causa estimulação, e é conhecida por interferir com o sono. A cafeína bloqueia os receptores de adenosina no cérebro, um neurotransmissor que promove o sono. Isso pode fazer com que seja mais difícil adormecer e pode afetar a qualidade do sono. A cafeína pode levar algumas horas para ser completamente metabolizada pelo corpo, então é importante limitar o consumo de café algumas horas antes de dormir, especialmente para aqueles que são sensíveis à cafeína.

Uma revisão sistemática de estudos epidemiológicos e ensaios clínicos randomizados identificou associações confiáveis entre qualidade alterada do sono e ingestão dietética de cafeína. O equivalente a cafeína contido em um ou dois expressos duplos (150 a 300mg) ingeridos até 16 h antes do sono induzem alterações no eletroencefalograma do sono, tornando o sono mais superficial.

Vale ressaltar que a meia-vida da cafeína exibe grande variação entre adultos saudáveis ​​(2 a 10 horas), tornando difícil identificar a hora apropriada do dia para interromper a ingestão de cafeína para minimizar as interrupções do sono.

Uma outra revisão sistemática e meta-analise avaliou especificamente o horário da ingestão de cafeína e seu efeito sobre o sono. Foi relatado que o consumo de cafeína altera a arquitetura do sono com aumento da ocorrência de sono leve e redução da ocorrência de sono profundo. Além disso, as reduções no tempo total de sono dependem da dose final de cafeína e da hora do dia em que ela é consumida em relação à hora de dormir, com maiores reduções ocorrendo quando doses maiores são consumidas perto da hora de dormir.

Por este motivo, foi proposto pelos autores que para evitar reduções no tempo total de sono, a ingestão de café (107 mg por 250 mL) deve ser realizada pelo menos 8,8 horas antes de dormir e uma porção padrão de suplemento pré-treino (217,5 mg) deve ser consumida pelo menos 13,2 horas antes de dormir.

Já em um ensaio clínico randomizado que avaliou a ingestão de 400mg de cafeína 0h, 3h e 6h antes de dormir identificou reduções significativas no tempo total do sono (p<0,05) quando ingerido até 3h antes. Mesmo às 6 horas não apresentando resultados estatisticamente significativos, a cafeína reduziu o sono em quase 1 hora. Este grau de perda de sono, se experimentado durante várias noites, pode ter efeitos prejudiciais na função diurna.

Em outro ensaio clínico randomizado, 20 voluntários foram expostos a uma dosagem de cafeína (3 × 150 mg/dia por 10 dias), abstinência (1 × 150 mg de cafeína e 2 x placebo por 8 dias) e placebo. A ingestão ocorreu durante o dia nos seguintes intervalos: 45, 255 e 475 minutos após acordar. Foi identificado que a cafeína atrasou o sono REM significativamente (p<0,05) em comparação com o placebo e abstinência. Além disso, os voluntários relataram maior dificuldade em acordar após dormir e cansaço aumentado com a ingestão da cafeína em comparação com o placebo (p < 0,01).

Para aqueles que desejam limitar o consumo de cafeína, existem várias alternativas ao café que podem ser consideradas, como chás de ervas, chá verde ou o café descafeinado. Entretanto, é importante lembrar que o café é apenas uma das fontes de cafeína na dieta, e que outras bebidas e alimentos, como chá preto, refrigerantes e chocolates, também podem conter cafeína e contribuir para o consumo total.

É importante lembrar, também, que o café não é uma solução milagrosa para a fadiga ou a falta de energia. O café pode ajudar a melhorar o estado de alerta e a concentração, mas não deve ser usado como uma solução de longo prazo para problemas de sono ou fadiga crônica. A melhor maneira de lidar com essas condições é estimular um estilo de vida saudável no paciente, que inclua uma dieta equilibrada, exercícios regulares e sono adequado.

Para resumir, o consumo de café é uma parte importante da cultura em todo o mundo, e pode ter vários benefícios para a saúde quando consumido com moderação. No entanto, é importante lembrar que o consumo excessivo de café pode ter efeitos negativos na saúde e afetar o sono. Sendo assim, é importante estar ciente da tolerância à cafeína e limitar o consumo de café e outras fontes de cafeína, especialmente antes de dormir.

Referências:

  1. ICO. Organização Internacional do Café |
  2. Ministério da Agricultura e Pecuária.
  3. Café no Brasil e Ementário do Café
  4. EMBRAPA. Produção de café da América do Sul representa 46% da safra mundial
  5. USDA. Coffee Annual. https://usdabrazil.org.br/wp-content/uploads/2022/06/Coffee-Annual_Sao-Paulo-ATO_Brazil_BR2022-0035.pdf
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